Gastronomia brasileira virou brinquedo de garotos com grana
Causou alvoroço na comunidade de chefs a notícia da abertura de um restaurante da paranaense Manu Buffara em Nova York. A paranaense vai tocar uma casa de nome Ella Brasileira, que será montada no Chelsea por dois empresários norte-americanos.
Desejo toda a sorte do mundo para Manu, que é uma baita chef. A casa tem enormes chances de dar certo.
Só precisamos colocar as coisas em suas respectivas caixinhas. A conquista de Nova York é um feito individual de Manu. O reconhecimento internacional do talento da chef. Não prenuncia nenhuma tendência. Não significa que a cozinha brasileira vai, finalmente, faturar o público estrangeiro.
Isso não deve acontecer tão cedo por causa de características estruturais da gastronomia brasileira –que reflete a organização canhestra da nossa sociedade.
Não é a comida em si. O repertório alimentar brasileiro não figura entre os mais originais do mundo. A tríade mandioca-milho-feijão está presente em quase todas as culinárias latino-americanas. O trunfo do Brasil é a sua extensão territorial. Isso nos propicia, por mera loteria estatística, a existência de bolsões como o Recôncavo Baiano e a Amazônia oriental, onde a culinária apresenta combinações únicas no mundo.
O que emperra a exportação da comida brasileira é o perfil dos nossos profissionais de cozinha.
Valorizamos o chef e desdenhamos o cozinheiro. Para ser chef, no Brasil, tornou-se quase compulsório o diploma de uma faculdade de gastronomia. Essas escolas estão entre os cursos profissionalizantes mais caros do mercado. Só a garotada da classe média para cima tem cacife para se formar. Esse pessoal está em seu direito. Muitos fazem um ótimo trabalho. Mas falta variedade, falta diversidade.
A dinâmica das cozinhas mudou. Não há mais mobilidade. Os trabalhadores braçais, sem perspectiva, assistem sem muito entusiasmo ao rodízio de playboys no comando da tropa.
E a comida que os chefs graduados executam não é exatamente o basicão brasileiro. É uma releitura da nossa culinária cotidiana. Quanto mais sofisticada for a cozinha, mais próxima de um padrão internacional ela se encontra. Vale para qualquer culinária.
A empreitada de Manu Buffara em Nova York significa muito pouco para a gastronomia brasileira porque a clientela gringa vai seguir sem conhecer o trivial.
A oferta de comida brasileira nos EUA e na Europa é, para dizer o mínimo, tosca. Os restaurantes são pontos de encontro da comunidade, sem grandes preocupações com o público local. Para vender à gringaiada, churrasco.
E o gap socioeconômico brasileiro viaja de carona com os imigrantes. Quem abre um restaurante é quem vê oportunidade de negócio, não alguém com talento particular para a coisa. O conhecimento fica retido em solo pátrio: quem tem grana pensa duas mil vezes antes de se atirar numa aventura no exterior.
Mesmo em São Paulo é difícil encontrar restaurantes de comida brasileira com excelência na execução do cardápio tradicional. De cabeça, eu só consigo me lembrar de quatro: Bar da Dona Onça, Tordesilhas, Mocotó e Jiquitaia.
Nossa cozinha só vai decolar no mercado externo quando a gastronomia deixar de ser capricho de garoto rico.
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