Nada de sopa para você: brasileiros são recebidos com pedras em Portugal
Você deve conhecer a lenda: um frade em andrajos chega a uma aldeia. Conta aos moradores que irá preparar uma deliciosa sopa usando apenas água e uma pedra.
Descrentes, os aldeãos se reúnem em torno do pobre homem santo. Sagaz, o frade começa a pedir alimentos para deixar a sopa ainda mais saborosa e nutritiva. No frigir dos ovos, o religioso apronta uma sopa com carne e os mais diversos legumes, que alimenta todos na aldeia. A pedra acaba esquecida no fundo do caldeirão.
Os portugueses clamam a lenda para si, embora haja uma fábula quase idêntica em cada canto da Europa. Existe, em Portugal, uma cidade que se autodenomina a Capital da Sopa de Pedra: Almeirim, no Ribatejo
São muitas as receitas de sopa de pedra: algumas com feijão e chouriço, outras com carne de boi e legumes –como esta aqui.
A flexibilidade da fórmula é natural, já que a sopa de pedra representa a união da comunidade para tirar o máximo dos alimentos, em épocas de escassez. É uma lenda de colaboração e de solidariedade.
Pulemos para 2019. Na Universidade de Lisboa, uma associação de alunos de direito colocou, no saguão da escola, uma caixa de pedra com o seguinte cartaz: “Grátis se for para atirar a um zuca (que passou à frente no mestrado”
“Zuca” vem de “brazuca”, em oposição ao “tuga”, de “portuga”.
Os estudantes assumiram a “instalação”, mas negaram a intenção xenófoba. Segundo eles, a obra é uma “mensagem satírica” para chamar a atenção para a competição desleal provocada pelo grande número de brasileiros na Universidade.
Mensagem satírica uma figa: a peça é uma amostra de hostilidade deflagrada. É gente muito jovem e com mais energia do que sensatez, relevemos. Aí surgem denúncias de que os professores também participam da perseguição aos alunos brasileiros. A coisa ganha mais gravidade.
Xenofobia não é um defeito exclusivo dos portugueses, mas em Portugal ela se manifesta direta e quase exclusivamente contra os brasileiros.
A relação entre zucas e tugas é tensa e complexa. Eles adoram nossa cultura, nós adoramos o bacalhau, o vinho e tudo o que vem no pacote de hospitalidade lusitano. Quando surge a disputa por trabalho ou vagas na Universidade, vêm à tona uma animosidade antiga.
Portugal é um país pequeno, com menos habitantes do que a cidade de São Paulo. Não é sensato imaginar que ele possa admitir imigrantes ilimitadamente.
Olhando a situação por outro ângulo, Portugal é um país construído com a madeira brasileira, com o ouro brasileiro. Precisa ter alguma sensibilidade ao lidar com essa questão. E devemos lembrar aos portugueses que os movimentos migratórios são pendulares –até pouco tempo atrás, eram portugueses que vinham buscar trabalho no Brasil.
Os brasileiros residentes em Portugal são barulhentos, indisciplinados, mal-educados, irritantes. Mas eles só existem de tal forma porque algum português, quinhentos anos atrás, decidiu mandar muita gente para esta terra. Temos a quem puxar e temos múltiplas mazelas herdadas de Portugal.
Um pai nunca deve enxotar o filho a pedradas. Deveria compartilhar a sopa com ele. Já que isso nunca vai acontecer, que tal largar as pedras e estudar mais para passar no exame, papai?
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