As lagostas falantes do Supremo

Foto: ksbaeg/Pixabay
Marcos Nogueira

 

Não há leitura mais chata do que os documentos do governo –a linguagem usada em editais, licitações, projetos de lei e afins é intoleravelmente maçante. Quem desafiar os desertos do tédio, porém, desfrutará de achados preciosos nesses papéis.

Como o pregão eletrônico que o Supremo Tribunal Federal abriu para as refeições dos ministros e de seus convidados.

A lista da cozinha do STF causou alvoroço e gritaria por causa de uma palavrinha mágica: “lagosta”. Os arautos da moralidade pública saíram quicando feito cavalos xucros com oxiúros. Calma.

Não é absurdo que integrantes da corte suprema sirvam lagosta nos banquetes e recepções. Faz parte da liturgia do poder, e o dano às contas públicas com essas bobagens é irrisório.

Dane-se o preço da lagosta. Interessante é o que ela tem a dizer. Lagostas falam, e muito, daqueles que as adquirem.

Uma vez, no Rio de Janeiro, a lagosta de um desembargador disse: “Esse sujeito me trata como uma qualquer. Acho que ele prefere uma picanha.”

Em outra ocasião, uma lagosta de Fortaleza colocou em maus lençóis um senador da República. “Ele diz que me ama, mas acabou de me pegar no aquário. Quer aparecer na sociedade com a garota mais cara do cardápio.”

Mesmo a sertaneja Brasília tem suas lagostas –a maioria delas concursada e lotada na administração federal.

Pedimos para uma lagosta do Itamaraty avaliar as exigências da licitação do Supremo. Ela chamou de “absurdos” os requisitos dos ministros para a aquisição de vinhos.

Entre outros pormenores, o pregão eletrônico 27/2019 determina que os vinhos dos magistrados devem ter “pelo menos 4 (quatro) premiações internacionais”.

“Quem entende de vinho sabe que existem prêmios de todos os tipos, inclusive aqueles para quem pode pagar”, disse o crustáceo –que pediu anonimato com medo de represálias. “Isso é coisa de jeca deslumbrado”, prosseguiu a lagosta.

O detalhamento excessivo do cardápio também foi alvo de críticas jocosas dos funcionários cascudos.

Entre muitos outros, o documento menciona os seguintes pratos:

Rolinhos de surubim com molho de raiz-forte, mousse de alcachofra com pistache, camarão ao vapor com molho de agrião; moquecas capixaba e baiana; legumes torneados em noisette; quatro tipos de escondidinho (carne-seca, bacalhau, camarão e pato); codorna, galinha d’angola e vitela assadas; sorvetes de bacuri, caqui e graviola; romeu e julieta brulée.

“Quem a mona pensa que é? A Maria Antonieta?”, disse a lagosta do cerimonial. “Isso parece a lista de compras do baile da Ilha Fiscal.”

Lagosta abusada. Vai acabar numa baixela de prata. Com molho de manteiga queimada.

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