Quem zomba da mortadela tem nojo de pobre

O Brasil tem um caso de amor e ódio com a mortadela.

O embutido bolonhês tem fama de comida de pobre –ser confundido com pobre é, para o rico brasileiro, o horror dos horrores.

Dizia-se, no século passado, que a mortadela era feita com carne de cavalo velho, imprestável para puxar arado. Fake news, como se fala hoje.

Entretanto, as multidões acorrem ao Mercadão de São Paulo para comer um sanduíche com 300 gramas de mortadela fatiada. Um negócio meio monstruoso, que caiu nas graças do consumidor.

A briga política jogou o holofote na mortadela.

O pessoal da direita alega que a turma da esquerda sai à rua apenas para comer o sanduíche de mortadela oferecido pelas centrais sindicais. É o show do preconceito, como diz um amigo meu.

Para começar, que mal há em levar um lanche para o protesto? Sim, alguns grupos são bem organizados, com distribuição centralizada de alimento para que os participantes não desmaiem de fome no meio da avenida. Isso é ilegal?

Gritar aos quatro ventos do Twitter que esse povo vai à manifestação só para comer mortadela é de uma canalhice ímpar.

Coisa de quem finge ignorar o desconforto, o cansaço, o esforço e o desgaste envolvidos em passar horas em pé, espremido na massa humana. Coisa de quem só protesta aos domingos, depois do almoço, com espumante e área VIP. E que pede um Uber assim que caem os primeiros pingos de chuva.

Essas pessoas estão, em suma, xingando de pobres os manifestantes do lado de lá. A mortadela simboliza a miséria material dos esquerdistas, desesperados ao ponto de abraçar uma causa em troca de um sanduíche xexelento.

Fui à avenida Paulista no último dia 15, com o filho de 25 quilos nos ombros. Não vi distribuição de mortadela. Nos poucos metros que consegui percorrer em duas horas, encontrei um carrinho de milho verde e um trailer de cachorro-quente.

Era uma concentração que desafiava as leis de Newton. Para abastecer de mortadela toda aquela gente, só com patrocínio da BRF. Que não rolou, evidentemente.

De volta a casa, banho tomado, fui checar o esgoto virtual. “Só tinha mendigos em busca de um prato de comida, militantes e alunos convocados pelos professores”, disse um elemento que não esteve lá. De novo, o show do preconceito!

A mortadela voltou a ser assunto em um sem-número de tuítes. Meu favorito é este, cometido por um sujeito que tem o lema de campanha do presidente em sua foto de perfil:

“Passando pra avisar que mortadela vencida faz mau à saúde.” É o Brasil que defende cortes na educação.

Quanto à mortadela, não há mal –com “l”– algum em comê-la. Pobreza não é contagiosa. A miséria intelectual, por sua vez, se espalha como uma epidemia neste país.

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