Cozinheiro que guarda receita secreta é covarde e mesquinho
Quando comecei a escrever sobre comida, lá no ano 2000, pautaram-me um texto sobre um assunto palpitante e urgente: os diversos tipos de pão e suas diferenças.
Para explicar as peculiaridades do pão sírio, procurei um dos meus restaurantes favoritos na época. E perguntei, com genuína curiosidade.
– Como se faz para estufar a massa e deixar uma bolsa de ar dentro do pão?
Silêncio do outro lado.
– Alô?
O zé-bigode que eu entrevistava bufou e se pôs a falar em tom condescendente.
– Você acha mesmo que eu vou passar o meu segredo para alguém que me ligou? Não sei quem você é, muito menos o que você quer fazer com a receita.
Aí quem emudeceu fui eu. Eu poderia ter falado com qualquer padeiro, mas resolvi encher a bola daquele paspalho. Porque gostava de seu restaurante. E o néscio me tomou por um pilantra em busca de seu tesouro. Como se ele fosse a única pessoa capaz de assar pão sírio em São Paulo.
Agradeci e desliguei. Naquele dia, deixei de ser um deslumbrado com o oba-oba da gastronomia. Cada vez que alguém me vinha com o papo da receita secreta, eu mergulhava mais fundo no caldeirão do cinismo.
Cozinheiro que guarda segredos expõe a própria insegurança.
Ele não entende que a fórmula é apenas um dos componentes da boa comida. Que a mesma receita resultará em pratos diferentes, a depender de quem a executa. Ou talvez entenda muito bem. E se borre de medo de que alguém o supere.
Em suma, é um covarde.
Alternativamente, sonegar informações pode ser um indício de desonestidade.
O sujeito lança uma nuvem de mistério para dar ares sublimes a algo absolutamente banal. Cria um storytelling (lorota, em corporativês) para disfarçar o plágio que ele cometeu.
A receita centenária que um monge peregrino divulgou no leito de morte para o tataravô do meliante é, na verdade, surrupiada de um restaurante de Nova York ou de Paris. Acontece. Não é raro.
Em tempos de hiperconectividade, tal fraude fatalmente emerge à luz. Mas a ação do larápio não é racional. Ele se entrega ao impulso e sequer cora quando é pego com a boca na botija.
Pior do que tudo isso é a mesquinhez do ato.
A culinária, como toda forma de conhecimento, deve ser compartilhada. Todos os melhores cozinheiros passam adiante suas descobertas. Nenhum deles perdeu clientela porque as tiazinhas que leem a revista Claudia obtiveram sua preciosa e lucrativa receita.
De mais a mais, receitas de restaurantes costumam ser complicadas demais para o cozinheiro doméstico mediano. E chefs falam um idioma próprio –eles tendem a ter dificuldade em traduzir suas obras para o português claro e correto.
Mas isso é assunto para outra coluna.
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