Biscoito ou bolacha: o fim da discussão
Paulistano residente no Rio, estou em pleno processo de acomodação cultural. O ruído é inevitável e pode embaralhar a comunicação mais primária.
Para efeito de compreensão, precisei modular a pronúncia do meu próprio nome. Mah-hr-cuish. Sinto-me ridículo sempre que forço o sotaque carioca, mas funciona.
Tenho caprichado no esforço para me imiscuir. Neste feriado, pela segunda vez na vida, experimentei um alimento 100% carioca puro-sangue de raiz: o biscoito de polvilho Globo vendido pelos ambulantes da praia. Na primeira vez, estava velho e murcho. Degustação impugnada.
“Ah, mas vende biscoito Globo em São Paulo.” Em termos.
Quase três anos atrás, questionei no blog a paixão incondicional do carioca pelo petisco praiano. O Globo acabara de chegar a São Paulo.
Eu comprei, comi e fiquei pouco impressionado. Minha amiga Olívia, carioca como a areia do Arpoador, me deu um ishpôrru.
Eis que o biscoito à venda em São Paulo não é o mesmo das praias do Rio. Os ambulantes se abastecem diariamente na fábrica, oferecem produto fresco (em tese) e embalado em papel. No varejo, o Globo vem em sacos plásticos e tem validade de 77 dias.
O Rio guarda surpresas invisíveis para quem chegou há pouco de fora –peço perdão pelo cacófato, não resisti. A diferença entre o biscoito da praia e a bolacha do supermercado Zona Sul é uma dessas pegadinhas cariocas.
Eu escrevi bolacha? Parece que sim.
Há quem leve a sério esse papo de biscoito versus bolacha. Em tempos de imbecilidade geral, essa consegue ser a discussão mais fútil e improdutiva dos fóruns da internet. Não serve sequer para animar conversa de bêbado num butchquim pé-sujo.
“Sinal” é tão correto quanto “farol”. “Guia” é tão correto quanto “meio-fio”. “Pebolim” é tão correto quanto “totó”. “Na pressão” é tão correto quanto “com colarinho”. “Lanterneiro” é tão correto quanto “funileiro”. “Lava-rápido” é tão correto quanto “lava-jato”. Ops. Há controvérsia no último exemplo.
Variações regionais são corriqueiras em qualquer idioma. Contestar ou zombar das nuances da língua só revela a ignorância e a obtusidade de quem zomba e contesta. E não leva a lugar algum.
Como se o Brasil não tivesse mais com que se preocupar.
Em tempo: sei bem que ocupei precioso espaço de jornal com um tema inútil e improdutivo.
Em tempo (1): também sei que nenhum paulista se refere ao biscoito de polvilho como “bolacha”.
Em tempo (2): você sabia que a primeira fábrica do biscoito Globo ficava em São Paulo? De novo, as coisas não são exatamente como parecem.
Em tempo (3): continuo sem entender a devoção carioca pelo biscoito Globo. Fresco, na praia, ele é gostosinho. Mas existe coisa melhor na categoria biscoito de polvilho.
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