37 coisas que aprendi sobre o macarrão à bolonhesa
Comida italiana é tradição. Você pode concordar ou não com o rigor dessa tradição –eu geralmente discordo–, mas uma coisa é inegável: ele funciona.
Centenas de anos fazendo as mesmas coisas do mesmo jeito resultam em uma prática quase isenta de erros. É assim em Bolonha: você pode entrar em qualquer portinha da cidade e comer muito bem.
O bolonhês leva tão a sério a tradição gastronômica que se dispõe a fiscalizar os restaurantes para garantir que ela seja respeitada. Os Apóstolos da Tagliatella são um grupo de 12 pessoas que se dedicam a comer nos restaurantes mais famosos de Bolonha de quando em quando, para verificar os padrões da cozinha.
Conversei, aqui na Itália, com o líder dos Apóstolos: Elmo Gardini, executivo de multinacional e pesquisador apaixonado pela cultura gastronômica de sua terra.
Em pouco mais de uma hora de almoço no ótimo restaurante Vicolo Colombina, Elmo me ensinou todas estas coisas:
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- Não existe molho à bolonhesa em Bolonha. Aqui, o molho de carne é conhecido simplesmente como ragú. (Sei que já falei isso em outro post, mas é imperativo mencionar a regra número 1.)
- O macarrão ideal para comer com ragu é o tagliatelle, massa fresca feita com farinha de trigo comum e ovos.
- Na verdade, o correto seria dizer “as tagliatelle”, porque a palavra é o plural de tagliatella, que vem de tagliare, “talhar” ou “cortar”.
- A tagliatella é uma tira chata de massa cortada à mão que deve ter 8 milímetros de largura.
- Conta a lenda que esse formato de macarrão, amarelo por causa dos ovos, foi criado no século 18. O cozinheiro de um prefeito bolonhês quis homenagear a cabeleira loira da noiva do patrão.
- A massa de ovos bolonhesa deve ser comida fresca, no máximo quatro dias depois de feita.
- Antes de cozinhá-la, porém, é preciso esperar duas a três horas para que ela perca parte da umidade.
- Existe uma receita “oficial” de ragu registrada na câmara comercial de Bolonha. Prometo publicá-la assim que voltar ao Brasil e fizer o respectivo teste.
- O ragu de carne bolonhês já existia antes de o tomate –originário da América do Sul– ser introduzido na culinária italiana.
- A proporção de carnes no molho deve ser: 30% pancetta (barriga de porco) e 70% carne de boi.
- Os vegetais, além do tomate, são cebola, cenoura e salsão.
- A carne ideal para preparar o ragu é o diafragma do boi.
- Como esse corte é caro e difícil de se encontrar, o normal é fazer o ragu com acém –carne muito saborosa e com farta irrigação sanguínea.
- A carne não deve ser moída, mas picada na faca.
- A faca certa para picar a carne do ragu é a meia-lua, de00 lâmina curva e com dois cabos.
- O ragu bolonhês demora 3 horas ou mais para cozinhar.
- Você nunca deve adicionar água ao ragu. No início do cozimento, junte um pouco de vinho branco. Se ele ressecar ao longo do preparo, acrescente caldo de carne caseiro. Mas nunca água.
- O ragu bolonhês pode (e deve) ser finalizado com um pouco de creme de leite fresco. Só um pouquinho, nada que mude a cor do molho.
- Você pode fazer o ragu com carne de outros animais, mas aí não é o ragu bolonhês tradicional.
- Aliás, o ragu bolonhês também vai muito bem com macarrão farfalle (gravatinha), com nhoque de batata e com polenta.
- O melhor vinho para acompanhar o tagliatelle ao ragu é o lambrusco, tinto frisante da mesma região em que fica Bolonha. A acidez e as bolhas do lambrusco “cortam” a gordura do molho.
- O bom lambrusco seco dificilmente chega ao Brasil. As garrafas disponíveis no nosso mercado têm vinho doce e de baixa qualidade.
- Italianos simplesmente abominam o espaguete à bolonhesa, comum em quase todo o resto do mundo. Porque não é muito comum comer espaguete em Bolonha. E, no Sul, onde o espaguete reina, não se come muito ragu bolonhês.
- O verdadeiro espaguete à moda bolonhesa leva molho de tomate fresco, cebola e atum em conserva. É um prato para as sextas-feiras e para a Quaresma, quando a fé católica proíbe comer carne.
- Outro prato tradicional nesses dias é o tagliatelle com molho de cebola e tomate.
- Por sinal, o tagliatelle também fica muito bom sem molho nenhum, apenas com umas tiras de presunto cozido.
- A lasanha à bolonhesa é feita com sete folhas de massa intercaladas com ragu e bechamel (molho branco). Nada de mussarela, muito menos de presunto.
- O molho branco deve ser espesso para não escorrer para fora da massa da lasanha. A lasanha à bolonhesa real não fica boiando em molho.
- Por tradição, a lasanha à bolonhesa é feita sempre com massa fresca e verde.
- A cor verde geralmente vem do espinafre. Se você quiser uma lasanha realmente raiz, use urtiga cozida para tingir a massa.
- Outro formato de macarrão tipicamente bolonhês é o tortellini –pequenos anéis de massa recheada com carne.
- O recheio do tortellini bolonhês tem partes iguais de mortadela, carne fresca de porco e carne de boi.
- Come-se o tortellini em caldo de carne (boi e frango).
- Muitos comem o tortellini com molho de creme de leite, mesmo em Bolonha. O apóstolo Gardini detesta essa preparação, pois o gosto do recheio desaparece.
- Uma boa pasta deve ser servida num prato aquecido.
- O queijo deve ser parmigiano-reggiano legítimo.
- O parmigiano-reggiano deve ser ralado à mesa, diretamente sobre a massa. Não foi assim no restaurante em que eu e Elmo Gardini conversamos.