Quem quer ganhar um queijo de 100 quilos?

Entra ano, sai ano, segue bombando a Festa de Nossa Senhora Achiropita, no Bixiga. Interessante notar o fervor dos fãs (devotos?) do evento: no ano passado, depois de eu ter escrito que o macarrão da festa não é lá aquela maravilha, um simpatizante disse que gostaria de ver meus miolos espalhados pelo asfalto da rua Treze de Maio. Isso se chama paixão. Se combina com o espírito cristão do festival, é um ponto passível de discussão.

Desta vez não vou malhar a comida. Vou me ater a um detalhe curioso que descobri em um tuíte de Gabriela Ventura: a rifa da paróquia, batizada de “Ação Entre Amigos”.

É uma rifa comum, até mais organizada do que a maioria. A pessoa compra um número e aguarda o sorteio da Loteria Federal.

O que chama a atenção na rifa são os prêmios. O prêmio principal é show de bola, um carro zerinho com ar-condicionado e volante com ajuste de altura.

O segundo prêmio é um provolone de cem quilos.

Isso. Cem quilos de queijo.

Milênios atrás, eu era um moleque besta em aventuras de mochila na Europa. Peguei o trem noturno de Sevilha a Madri. Dividi uma cabine com dois homens idosos e uma adolescente –mais provavelmente, uma mulher jovem muito pequena.

Ao amanhecer, a moça se levantou e saiu da cabine com uma sacola grande. Voltou minutos depois, paramentada como uma atleta olímpica.

Ela pediu ajuda aos velhos. Entregou-lhes um papel e quis saber o que estava escrito neles. Ela era marroquina e não falava bem o espanhol.

Fiquei sabendo, então, que o papel trazia as regras de uma corrida de rua que aconteceria naquela mesma manhã na capital espanhola. Minha vizinha de cabine iria encarar a competição direto, depois de oito horas no trem.

Os velhos começam a rir. Um deles recita a premiação:

“Primeiro lugar: sei-lá-quantas pesetas e um jamón.

Jamón é presunto em espanhol. Não esse presunto que você compra fatiado na padaria, mas uma perna de porco inteira, salgada e seca. O velho prosseguiu:

“Segundo lugar: tantas pesetas e um jamón.”

“Terceiro ao quinto lugar: um jamón.”

Os dois velhinhos de boina caíram na gargalhada. A menina marroquina não achou graça nenhuma.

“Sou muçulmana. Não como porco.”

Às vezes, um prêmio só serve para agradar ao doador do prêmio –que ganha alguma publicidade.

Que diabos alguém faria com um queijo de 100 quilos? Isso é um estorvo, não uma bênção.

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