Bacon não é amor, bacon não é vida: bacon é morte

Hoje é o dia do bacon, veja só. Bacon é amor, bacon é vida, bacon é tudo de bom. Tudo fica melhor com bacon. Se pans, a energia positiva do bacon pode levar a paz ao Oriente Médio –é só convencer judeus e muçulmanos a abdicar de seus tabus alimentares.

Conversa fiada.

Bacon é morte, minha gente. É um naco gordo de um porco defunto, que foi cozido, salgado e defumado. No caso do bacon que compramos no supermercado, tem também uns aditivos químicos para acelerar a nossa própria morte.

Longe de mim fazer pregação vegetariana. Eu como bacon. Não vou dizer que amo bacon, porque isso soa cretino além da conta. Dizer que gosto está de bom tamanho.

O motivo da minha provocação é expor o discurso imbecilizante aceito pela maioria das pessoas.

Quando você “fofuriza” o bacon, você desloca a percepção para longe do objeto real –um pedaço de porco morto. Você transforma a carne de um animal abatido numa invenção do gênio humano.

É tudo o querem os grandões donos da grana: que você torre seu rico dinheirinho sem refletir demais. Muita gente não entende que bacon, linguiça e presunto são feitos de carne. “É só o tempero do feijão”, responde o garçom ao cliente vegetariano.

A ignorância é a maior praga da atualidade. Superá-la, no caso da gastronomia, exige rastrear o ingrediente do produtor até o prato. Dá um baita trabalho, sai caro e pode ferir certas sensibilidades.

Anos atrás, eu enfiei na cabeça que deveria visitar um matadouro de bois. Cheguei ao amanhecer no frigorífico, vesti meu macacão de “Breaking Bad” –branco, em vez de amarelo– e acompanhei o primeiro boi da fila do abate.

Pouco antes de levar um tiro de ar comprimido na cabeça, o bichão percebeu a encrenca e tentou retroceder, mas a comporta já estava fechada. Ele então foi sangrado, eviscerado e transportado de ponta-cabeça, pendurado num trilho. A cada parada, um grupo de funcionários fazia cortes precisos na carcaça; por fim, uma engenhoca cheia de correntes arrancou o couro do boi, inteiro, de uma vez só.

Não é uma cena bonita de se ver. O cheiro de morte vai aumentando na medida em que o sol fica mais forte; há poças de sangue; alguns retalhos de carne, de tão frescos, ainda tremem e saltitam. Os trabalhadores, ensanguentados e portando facões, conversam como se estivessem à toa no boteco.

Se fosse para eu virar vegetariano, aquela era a minha deixa.

Mas não. Continuo a comer carne, embora eu reconheça as consequências ambientais dessa minha decisão –isso é assunto para outro texto.

O que não dá é para se aconchegar na ignorância. Celebrar o bacon como uma sacada sagaz do marketing é exatamente isso: ignorância. O porco não morreu para ser tratado de forma tão leviana.

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