Cerveja com gosto de picles arromba os limites do bom senso
Fui ontem conferir a primeira noite do Mondial de La Bière Rio, megafestival de cervejas que ocupa três galpões gigantes do Pier Mauá, na zona portuária.
Recomendo o passeio a qualquer um que goste de cerveja e tenha interesse em conhecer as novidades do setor. Eu acompanho os festivais de cerveja há quase dez anos: a coisa nunca esteve tão profissional e bem organizada. Tem muita cerveja boa. Sem falar que o espaço, à margem da baía de Guanabara, é sensacional.
Agora, falando em novidades: o pessoal da cerveja artesanal passou de qualquer limite razoável na criatividade dos lançamentos. Vamos a alguns exemplos.
A cervejaria Three Monkeys, aqui do Rio, tem cinco torneiras de chope apenas para as gose –estilo alemão ácido e salgado. Sim, salgado. Algo que deveria ser nota de rodapé na literatura cervejeira foi transformado em tendência global.
Se não bastasse, as tais gose têm as seguintes especificidades: al mare (tinta de lula, ostras e limão), thai curry (curry e leite de coco), oriental (shoyu, wasabi e gengibre). Perto delas, a honey mustard (mostarda e mel) parece normalzinha. Eu provei a gazpacho (picles de pepino e tomate). O gosto é perturbador, igual ao da água que sobra no pote de picles depois que você tira os pepinos.
Outros expositores vendiam IPA com baunilha, stout com paçoca, cervejas com melancia, com suco de abacaxi… A Noi, de Niterói, trouxe uma cerveja chamada O Cupuaçu Abunda. O trocadilho é bom, a cerveja eu não quis provar.
O pessoal perdeu a mão, não entendeu que inventividade é só um dos atributos desejáveis a qualquer negócio que se pretenda inovador.
As cervejas citadas acima não lembram em nada o sabor que classicamente remete a “cerveja” –isso não chega a ser um problema, já que há dezenas de estilos cervejeiros com características muito diferentes entre si.
O problema é: algumas dessas bebidas são intragáveis. De que adianta você inventar um troço que vai chocar e surpreender, mas que ninguém vai passar do primeiro gole?
Não é conservadorismo, é puro bom senso. Eu entendo só um pouquinho de cerveja –fiz curso de sommelier e escrevo há bastante tempo sobre o assunto, mas tenho uma preguiça monstruosa de acompanhar o setor. Já não é de hoje que os cervejeiros estão desesperados para criar novidades e sacudir artificialmente um mercado com sinais de estagnação.
Eu entendo um pouco mais de cozinha. Sei que um prato deve ser equilibrado e, em última análise, agradável. O mesmo vale para as bebidas. Uma receita genial no papel pode se revelar um desastre na boca. E isso tem um agravante no caso das cervejas: o criador da tal receita só vai saber o resultado depois de semanas do início da produção, que nunca é muito pequena.
Eu quero beber cerveja gostosa. Se eu quisesse beber água de picles, eu comprava picles.
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