Cerveja homofóbica exibe a face boçal das micro-cervejarias
Quando o movimento da cerveja artesanal começou a ganhar corpo no Brasil, lá por 2010 (ou um pouco antes), acompanhei com entusiasmo. Sempre gostei de beber cerveja e, além do mais, aquele pessoal parecia ter um espírito inovador, progressista, contestador… também sempre fui da turma dos revoltadinhos.
“Revolução” era uma palavra usada com leviandade excessiva pelos cervejeiros. Isso me irritava um pouco, mas eu relevava. Tínhamos uma cena realmente excitante de gente que se contrapunha ao massacre dos gigantes do dinheiro graúdo.
Cerveja, rock e contestação, tudo parecia combinar. Cheguei a fazer curso de sommelier e peguei alguns trabalhos no setor –com a turma da grana grossa, pois os outros lutavam para sobreviver, e eu também.
Meu interesse murchou na mesma medida em que conheci melhor o setor. Os interesses individuais mesquinhos. As intrigas de vilão de HQ. A pose de punk de butique daqueles que só estavam a fim de faturar num filão inexplorado do mercado.
Perdi totalmente o tesão com as eleições do ano passado, quando muita gente influente na cena cervejeira explicitou suas convicções reacionárias.
Eis que agora aparece algo surpreendente até para o panorama direitista que predomina na cerveja artesanal: uma cervejaria declaradamente homofóbica, vinculada a uma seita católica fanática.
A Saint Arnulf, de Montes Claros (sertão de Minas Gerais), publicou em sua página de Facebook um manifesto de repúdio aos movimentos GLBT (sic). Assim, do nada, sem ninguém lhes perguntar a opinião sobre o assunto.
Foram trollados e –ai, tadinhos!– começaram a se queixar da intolerância religiosa dos internautas.
A cervejaria é ligada a uma certa Sociedade Santíssima Virgem Maria, uma confraria de carolas ultraconservadores que pretende instalar na Terra um reino divino, a começar pela pulsante Montes Claros.
Como resumiu muito bem o mestre Contardo Calligaris, em seu artigo de hoje, aqui na Folha:
“É uma regra da sociologia dinâmica: os boçais querem impor aos outros as normas que eles mesmos não conseguem respeitar. Da mesma forma, o catequizador exige dos outros uma fé que ele não tem.”
Tempos sombrios. Tempos boçais.
Quanto à cerveja dos mineiros, ela é só uma hipérbole da cara feia que a cena artesanal não precisa mais esconder.
Se é boa? Não quero nem saber.
P.S.: Sei que serei criticado por pessoas de pensamento semelhante ao meu, por ajudar a divulgar o obscurantismo. Perdão, eu sou jornalista. Tenho poucas convicções: uma delas é a certeza de que o conhecimento é sempre melhor do que a omissão.
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