Réquiem para um boteco
Dei com a cara na porta do Bar Luiz. O bar em questão, que funciona no centro do Rio desde 1887, marcou para hoje o último dia de operação. A comoção tomou conta da cidade, que adotou o luto como humor normal há algum tempo. Antigos clientes mobilizaram-se numa força-tarefa para impedir o fechamento.
Num estalar de dedos, o Luiz teve salão lotado e pedidos que excediam o estoque de comida. Fui conferir o movimento na tarde de anteontem. Desavisado, cheguei às 16h57. O bar fechava às 17h. Não pude entrar, mas espiei o salão: ele estava cheio.
Desculpe vestir a carapuça do estraga-prazeres: tal campanha serve só como homenagem. Caso decida prosseguir, animada com volta dos clientes, a proprietária do bar deve quebrar a cara: outras causas vão ocupar a agenda dos anjos do chope, tão logo baixe o colarinho do elã inicial.
A melhor possibilidade de salvamento do Bar Luiz é a entrada de alguém disposto a matar no peito as dívidas e tocar o negócio por diletantismo, sem expectativa de lucro. Ainda assim, o velho Luiz terá morrido, como já morreu algumas vezes antes.
Explico: quando troca de mãos, um bar ou restaurante sempre ganha outra identidade. Vi acontecer em São Paulo, com os históricos Bar Brahma e Bar Léo. Ambos foram comprados pelo mesmo grupo de investidores, que profissionalizou a gestão e transformou em marketing o que era pura decadência.
Por mais que vendam a continuidade de uma longa história, os bares “repaginados” são apenas um holograma do passado glorioso. Seus garçons de gravata-borboleta emanam a autenticidade dos “beefeaters” da Torre de Londres.
O Luiz já mudou de donos, já mudou de cardápio, já mudou até de endereço. Não tem nada a ver com o Zum Schlauch, que abriu em 1887 na rua da Assembleia, 102, e já teve também os nomes Zum Alten Jacob e Bar Adolph –convertido para Luiz na Segunda Guerra, embora não houvesse relação alguma com o Adolph mais famoso daqueles tempos.
O endereço atual –rua da Carioca, 39– é determinante para a ruína do botequim. O Luiz ocupa uma de várias casas geminadas vendidas para um banco de investimento. O senhorio, aparentemente, tem planos. Contratos não foram renovados, e a rua da Carioca parece cidade fantasma de faroeste. Nada prospera nesse ambiente.
Outro problema difícil de contornar é a espiral da pindaíba: baixa-se a qualidade, os clientes percebem e fogem, menos dinheiro ainda entra no caixa, baixa-se um pouco mais a qualidade.
Não quero me despedir com a marcha fúnebre. Sem minimizar a tragédia pessoal de quem depende do Luiz para pagar as contas, a passagem do bar é algo normal. Mais de metade dos bares e restaurantes do Brasil fecham antes de completar dois anos. Aos 132 anos, o Luiz é um highlander. Viva o Luiz!
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