Por que os cariocas têm nojo de um orgulho da cozinha paulista?
O ano é 2019. E ainda acontece de um paulistano que se muda para o Rio de Janeiro sofrer um choque cultural-gastronômico de proporções razoáveis. Aconteceu comigo.
Estou me lixando para a bolacha, para o biscoito e para o purê no cachorro-quente. Já sabia disso tudo antes. Mas nunca imaginei que os cariocas tivessem nojo –repito: nojo– de um dos maiores orgulhos culinários do estado bandeirante. O cuscuz paulista.
Para quem não entendeu nada, vamos aos básicos. O cuscuz é um prato que surgiu no norte da África, onde é feito com sêmola de trigo e comido com um refogado de legumes ou carne.
No Brasil, assume algumas formas. O cuscuz nordestino, solto como uma farofa, pode ser tanto doce quanto salgado. Feito de milho, aparece em todas as refeições. Vai com carne-seca, com coco ou simplesmente com manteiga.
Em São Paulo, a farinha de milho também é o ingrediente principal. Mas o cuscuz paulista é compactado numa fôrma de bolo com uma série de complementos: palmito, ervilha, ovo cozido, pimentão. Pode levar também alguma carne –geralmente sardinha, camarão ou frango.
Aqui no Rio, o cuscuz padrão é um doce que em São Paulo chama-se pudim de tapioca. É vendido aos pedaços na rua, por ambulantes com seus carrinhos. Feito de bolinhas de tapioca e coco, costuma receber uma boa lambuzada de leite condensado cru ao ser servido.
Evidentemente, os cuscuzes das duas pontas da via Dutra são comidas que podem até ter uma origem comum, porém enveredaram por evoluções distintas.
Todos os cariocas com quem conversei sobre o tema dizem ter horror estético ao cuscuz paulista. Acham muito feio e cafona aquele arranjo de sardinhas e palmitos e ovos sobre o bolo salgado. Porra, como assim? É um orgulho regional! Não há coisa mais apetitosa!
Uma observação fria, distante das paixões bairristas, nos leva a concluir que:
- Nós, paulistas, estamos tão acostumados com o cuscuz de sardinha que nem percebemos sua aparência anacrônica. O cuscuz paulista é uma obra estacionada num compêndio culinário dos anos 1970.
- O nojo dos cariocas decorre do fato de que, para eles, a palavra “cuscuz” remete a um doce muito doce. Misturar leite condensado com sardinha realmente soa asqueroso. Mas o cuscuz paulista, além de ser delicioso, não é tão feioso assim.
(Siga e curta a Cozinha Bruta nas redes sociais. Acompanhe os posts do Instagram, do Facebook e do Twitter.)