Bolsonaro, o presidente-miojo, faz apologia do tosco
Estamos em 2022. Para comemorar o segundo centenário da independência do Brasil, o governo oferece um banquete aos mais poderosos chefes de estado do mundo.
No cardápio: lagosta da costa nordestina, pirarucu amazônico, feijoada completa, churrasco com as melhores carnes dos pastos gaúchos, arroz de pequi goiano, toneladas de frutas tropicais.
Um dos convidados –digamos, o presidente da França– mal toca a comida. Um pouco mais tarde, no hotel, ele publica em suas redes sociais uma foto em que aparece se fartando com queijo fundido (aquele da vaca que ri). O mandatário, que acha meio selvagem comer orelha de porco com feijão, trouxe vários quilos do petisco na bagagem –apesar de haver exatamente o mesmo produto à venda nos mercados daqui.
Do jeito que o brasileiro é ofendidinho –subiu nas tamancas quando o Jamie Oliver detonou o brigadeiro–, seria uma desfeita imperdoável.
Em Tóquio, Bolsonaro esnobou o banquete da entronização do imperador Naruhito. Ele, que já havia recorrido ao hambúrguer porque “não gosta de peixe cru”, certamente não tem ideia de que seja washoku –a culinária mais tradicional do Japão.
Provavelmente ele sabe –e desdenha– que ser convidado para o banquete imperial é uma honraria e uma oportunidade. Jair das Medalhas fingiu ignorar que o cerimonial japonês preparou filé mignon e outros pratos para evitar o constrangimento de quem tem alguma limitação dietética.
Foi para o hotel entreter sua plateia tosca com um showzinho tosco: posou para uma foto segurando um pacote de macarrão instantâneo brasileiro –os mercados de Tóquio têm gôndolas inteiras desse produto, mas é claro que Jair não quer saber disso. Só faltou fazer aquela antiga piada racista: “Sabe por que restaurante japonês fecha cedo? Para dar tempo de jantar depois.”
O episódio do miojo só não teve repercussão internacional porque: 1) Os japoneses são polidos demais para fazer esse tipo de barraco e; 2) O Japão e os outros países ricos estão se lixando para o Brasil, em especial nesta (indi)gestão.
“A pessoa come o que bem entender”, argumentam defensores do presidente. Não é bem assim. Eu, por exemplo, não posso comer só o que eu quero –afinal, trabalho com comida. Um chefe de estado deve saber como se comportar numa viagem oficial. Não zombar do anfitrião é a regra zero da diplomacia.
Bolsonaro faz apologia do tosco e sente prazer com isso. Ele representa tudo o que o Brasil tem de malfeito, precário e tacanho: o pão com leite condensado, o chinelão na reunião ministerial, a placa “buracos na pista nos próximos 17 km”, os cartórios, os puxadinhos de 5 andares nas favelas controladas pelas milícias do Rio.
O miojo é uma imitação barata e sofrível do lámen. Bolsonaro é o presidente-miojo: um simulacro tosco de chefe de estado.
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