Terraplanistas querem conquistar o globo com hamburgueria na Vila Madalena
A praga anti-intelectual que varre o planeta tem um fundamento claro: a percepção sensorial e a interpretação individual valem mais do que milênios de conhecimento acumulado. Isso é exacerbado na extravagante seita dos terraplanistas.
A doutrina da Terra Plana usa como evidência o fato de a Terra parecer plana para o observador em solo. Algo meio tipo São Tomé. O que é desconcertantemente contraditório, uma vez que o grosso dos terraplanistas crê numa entidade que nunca deu as caras nas planícies e nos planaltos deste mundão, o tal Deus com dê maiúsculo.
Por falar em São Tomé, eu mesmo duvidava um pouco da existência da galera da Terra Plana –a despeito da volumosa documentação de suas estripulias. É tudo absurdo demais para ser verdade. Anteontem, eu a vi com estes olhos que a terra –no sentido de “solo”, portanto sem controvérsia geométrica– há de comer.
Os terraplanistas não apenas existem: eles estão na Vila Madalena. Mais precisamente, na latitude 23º33’23” S e na longitude 46º41’28” W. Só para efeito de localização global.
É lá que fica a hamburgueria Vila Plana, uma casa que mistura a tosqueira da Vila Madalena raiz –aquela da garotada que bebe Corote– com a tosqueira do terraplanismo.
Soube de sua existência ao ler um artigo da “Vice” sobre um congresso de terraplanistas em São Paulo. A lanchonete recebeu palestrantes e tietes para uma confraternização após o evento.
A Vila Plana tem um salão bastante amplo e feioso. Nas paredes, há pôsteres com motivos terraplanistas. Um deles mostra o ator Laurence Fishburne como Morpheus, seu papel na trilogia cinematográfica “Matrix”. O terraplanários cultivam a paranoia de que o mundo é um teatro de marionetes, donde a referência.
Em outro cartaz, uma citação ao alegado “master of puppets” do mundo achatado. Um trecho da “Bíblia”, é claro –os terraplaneiros consideram a astronomia moderna uma afronta às escrituras sagradas.
A casa oferece, por módicos R$ 120, um vinho português de rótulo Terra Plana. É produzida em Estremoz, Alentejo, pela prestigiada vinícola Herdade Monte da Cal. Passei.
Pedi uma cerveja e um hambúrguer de picanha –entidade tão lendária quanto a Terra chata e os unicórnios. Recebi um disco plano de carne moída dentro de um pão globaloide. Poderia ser tolerável, não fosse a abundância de matéria pastosa fosforescente vendida como queijo cheddar.
Paguei com cartão, graças aos satélites que orbitam a Terra esférica. Fui almoçar um lámen no excelente Hirá, do outro lado da rua.
Antes que me acusem de zombar de tontos excêntricos: os terraplanistas não são patetas inofensivos. São patetas que ocupam a franja mais radical da vaga obscurantista que nos ameaça. Eles não são medievais: são ainda mais reacionários. Contestam o trabalho dos sábios da Babilônia do século 7 a.C. Precisam ser contidos.
Essa gente não merece reverência. E o hambúrguer deles não presta.
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