Os idiotas úteis da gastronomia
Não me pergunte como fui parar ali: semanas atrás, estava eu com uma dúzia de influenciadores digitais, trancados em uma sala abafada dos estúdios da Rede Globo no Rio.
Era uma sabatina com o elenco da novela “Dona do Pedaço”, que abordava o universo dos instagrammers com a personagem Vivi Guedes (Paolla Oliveira) e sua agente Kim (Monica Iozzi). Na nobre bancada, gente que faz sucesso com conteúdo de gastronomia nas redes sociais.
Começou o desfile de atores, um por um. Malvino Salvador disse que torcia pelo romance gay de seu personagem. Duda Nagle contou que apanhou à beça para interpretar um lutador. Paolla fez caras e poses e arrancou suspiros. Sergio Guizé reclamou que até em casa o chamavam de Chiclete.
A conversa ficou mais interessante quando apareceu Monica Iozzi –atriz conhecida por manifestar abertamente suas posições políticas.
A presença de Monica foi a deixa para que meus colegas influencers (ainda bem que meu pai não está vivo para ler isto) falassem de suas políticas pessoais de expressão política nos perfis profissionais.
Todos, sem exceção, fugiam do assunto. Seu negócio era receita de bolo, torta de liquidificador, salpicão de maçã verde, brigadeiro de leite em pó. Alguns se ressentiam do estresse das rusgas virtuais, nas poucas vezes em que ousaram uma aventura para além da copa e da cozinha. O grande temor que lhes pairava sobre as cabeças: perder seguidores e boquinhas.
Situação semelhante se vê entre os chefs de cozinha. São poucos os que levantam a voz contra ou a favor do que quer que seja. Aqueles que têm “parceria” com uma ou mais “marcas”, então… seu discurso político é uma sinfonia de grilos na madrugada do campo. Ninguém quer desagradar ao empresário reaça que pagou a cozinha hi-tech do restaurante, em troca de uma logomarca bordada no dólmã.
Se o chef também é reacionário, fica quieto para não queimar o filme com os lindos e interessantes formadores de opinião.
Os patrícios romanos amansavam a plebe com pão e circo. Chefs-celebridades e influenciadores de gastronomia são o circo do pão. Fundiram as duas coisas para desviar a atenção popular dos descalabros da vida aqui fora. São os idiotas úteis que dizem “está tudo normal, olha este hambúrguer duplo com muuuuito queijo”.
Nada está normal.
A omissão tem seu preço, um dia a fatura chega.
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Encerro com dor no coração minha temporada no Rio de Janeiro. Volto a São Paulo na próxima semana, para ficar. Foram seis meses de diversão e aprendizado –os dois caminham juntos no meu trabalho, é por isso que eu o escolhi. Agradeço aos cariocas pela acolhida calorosa. Levo comigo as memórias de tudo o que há de melhor (a água grátis em todos os restaurantes) e de pior (os malditos sachês de sal, também em todos os restaurantes) da gastronomia do Rio. Voltarei sempre para rever os amigos, comer e beber.
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