Jesus gay me devolveu a alegria no Natal

O moleque tem 7 anos, mas ainda acredita em Papai Noel. No fundo, acho que ele sabe que o velho não existe, mas engole a lorota porque gosta demais do Natal. Desde que me tornei um tiozão rabugento, a euforia do meu filho com as luzes que piscam é a única coisa que me alegra na época natalina.

Ou melhor: era. Agora tem também o Especial de Natal do grupo de humor Porta dos Fundos. Fazia tempo que eu não ria tanto.

De resto, o Natal nem precisaria existir para mim.

Não gosto da comida da ceia. É tudo seco e meio doce.

Peru, minha gente, para quê? Se tender fosse bom, as pessoas comeriam o ano todo. Aquele arroz colorido, festivo, com uns parangolés, amêndoas e passas. Passo.

O lombo estorricado de todo Natal merece um feijãozinho com bastante caldo para descer suave. Na real, a gente comeria melhor se desencanasse da ceia e pedisse umas pizzas.

E as sobremesas? O nefando pavê. Um monte de doces com nozes e ameixas. Já inventaram o chocolate, dá para melhorar isso aí.

Aliás, não faz sentido servir sobremesa numa refeição que os pratos principais têm fios de ovos, abacaxi em calda, figo ramy e as excomungadas passas.

Não me agrada trocar a cervejinha por espumante. Nada contra o espumante, mas a compra das garrafas sempre recai sobre o tio sovina e ignorante –e ele compra moscatel vencido na promoção do empório. Ninguém merece passar a noite toda bebendo moscatel.

Pensando melhor, algumas pessoas merecem. É por enfurecer essas pessoas que eu gosto tanto do Jesus gay do colega Gregório Duvivier.

Detesto celebrar algo em que não acredito só para manter a tradição. Odeio quando preciso parecer feliz só porque é Natal. Abomino gastar dinheiro, tempo e sola de sapato para comprar presentes só porque, afinal, todo mundo troca presentes no Natal.

Não quero nem vou reverenciar uma lenda sem pé nem cabeça. Em pleno 2019, assusta perceber que ainda há quem acredite literalmente em absurdos como a concepção sem sexo. Milagres sempre acontecem longe de testemunhas isentas e, desde a invenção do cinema, nenhum foi registrado em filme. A fé é um negócio gozado, né?

As pessoas que se ofenderam com o Jesus gay se dizem cristãs, mas celebram o Natal da forma mais profana possível: comilança, bebedeira, ostentação, futricas, beligerância.

O especial da Porta dos Fundos expõe as tripas da hipocrisia familiar natalina. Zomba de quem vem dizer que vale tudo no humor –mas que fica cheio de mimimi quando o sarro é com ele.

Duvivier e Fábio Porchat não estão a ridicularizar Jesus, seu mané. Você que é ridículo e não aguenta ver a própria caricatura na TV.

Com uma ou outra passagem ruim –a cena inicial dos Reis Magos é digna de filme dos Trapalhões–, o Especial de Natal do PDF é humor magistral, comparável à “Vida de Brian”, do grupo inglês Monty Python.

Ele me devolveu a alegria no Natal. Dá até para encarar mais algumas passas. Com espumante moscatel.

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