A extinção do frango com polenta

O mundo pegando fogo lá fora, e o cara aí falando de frango com polenta?

Pois é. Essa é a sina do cronista gastronômico: trazer um pouco de leveza para o leitor aflito com as tragédias do noticiário.

Infelizmente, o assunto de hoje é morte. Morreu o frango com polenta de São Bernardo. Ontem foi anunciado o fechamento do restaurante Florestal, o último da especialidade que ainda operava no bairro Demarchi.

Para quem viveu a era de ouro do frango com polenta –ou seja, quem é ainda mais velho do que eu– é um baque e tanto.

Em meados do século passado, as famílias Demarchi e Morassi montaram um conjunto de restaurantes que serviam especialidades camponesas do Vêneto para multidões.

Gente de toda a Grande São Paulo ocupava os gigantescos salões do Florestal, do São Francisco e do São Judas Tadeu. No cardápio, além de frango e polenta, sopa de capelete, maionese, massas, risoto de miúdos de frango.

Eram restaurantes feitos para grupos grandes, para aquelas famílias cheias de agregados. Como a minha própria família sempre foi meio antissocial, a rota do frango do ABC não foi carimbada na minha memória afetiva.

Visitei um deles –acho que era o São Judas– com a família de um amigo, quando já éramos crescidos, no final dos anos 1980. A impressão não foi das melhores.

Salão grande demais, trilha sonora medonha, cacofonia de centenas de pessoas falando alto, luz branca, loooooonge. A comida era OK, nada mais do que isso. Para mim, não valia a viagem.

Valia para muita gente. Tanto que já teve até show do Roberto Carlos no restaurante Florestal.

Mas a semente da decadência já estava plantada. O final do século 20 trouxe mudanças drásticas para a gastronomia, e o frango com polenta comeu poeira. Tornou-se um programa meio cafona, além de laborioso, almoçar em São Bernardo.

Fui olhar o cardápio do Florestal em seus estertores. O site já saiu do ar, mas consegui acessar a página armazenada em cache.

Creme de aspargo. Canja. O filé à diplomata requer descrição: mignon grelhado, regado ao molho madeira com champignons; acompanha maçã caramelizada com milho ao creme, arroz à piemontesa e batata palha.

Já o supremo de frango à suíça vinha à milanesa, com mussarela e presunto, acompanhado de arroz, fritas e petit pois. “Petit pois” é um galicismo que os antigos usavam quando queriam dizer “ervilha”.

Surpreende que um restaurante com tal cardápio tenha sobrevivido até 2020. Compreendo a nostalgia de quem frequentava o Florestal, mas a inviabilidade saltava aos olhos. Restaurantes sempre morrem –ou se transformam em outra coisa com o mesmo nome, o que conforta os saudosos.

Já a cafonice é imortal e se adapta a qualquer época. Hoje ela mora no Paris 6, no Coco Bambu, no Outback, no Madero. Em Curitiba, ela resiste à moda antiga no Madalosso –o maior restaurante do Brasil, um espécime especializado em frango e polenta. Não vale a viagem.

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