Como morrem os restaurantes e bares
Foi pura coincidência –ou sincronicidade, caso você não creia no acaso. A notícia do fechamento do último bastião da tradicionalíssima rota do frango com polenta, em São Bernardo, chegou na sexta e foi publicada no sábado. A Folha já tinha decidido soltar, no domingo, a reportagem que eu fiz no Rio sobre botecos decadentes que foram adotados por gestores competentes e, assim, puderam sobreviver.
Em dois dias consecutivos, duas abordagens simétricas da mesma questão: a batalha, quase sempre perdida, que os donos lutam para manter seus restaurantes vivos por longos períodos. Fui obrigado a escrever um terceiro texto sobre o tema, para conectar as pontas soltas dos dois primeiros.
Na coluna sobre o frango de São Bernardo, há um trecho que diz: “Restaurantes sempre morrem –ou se transformam em outra coisa com o mesmo nome, o que conforta os saudosos.” E fica assim, sem explicação.
Então lá vai.
Eu quis dizer que os restaurantes (ou bares, tanto faz) longevos morrem mesmo quando se mantêm vivos e bem-sucedidos. Porque a única maneira de atravessar os anos com um negócio saudável é matá-lo um pouquinho todo dia. No sentido figurado, claro: é preciso matar a identidade original da casa para se adequar às mudanças tecnológicas, sociais e econômicas.
O restaurante mais velho do mundo funciona em Madri. É impossível que o Sobrino de Botín guarde qualquer traço, além da fachada, do que era na inauguração, em 1725. Não havia água encanada. Não havia refrigeração, nem eletricidade, nem antibióticos, nem as mais fundamentais noções de higiene. Os europeus ainda não comiam tomate nem batata, dois alimentos oriundos das Américas.
O lugar sobrevive apenas porque foi incorporando modernidades. Os bons gestores sabem abrir mão de suas tradições; os maus gestores, de tão apegados, deixam o restaurante ser atropelado pelo tempo e desaparecer.
É realmente triste o que aconteceu com o Florestal e com os outros restaurantes do bairro Demarchi. Eles não encontraram um administrador do naipe de um João Paulo Campos (que comprou o bar Adonis) ou de um Kadu Tomé, que ralou e rompeu com vícios antigos para levantar o botequim de sua família –o Bracarense, no Leblon.
Por fim, uma retratação. Na coluna de sábado, lá no fim do texto, eu coloquei o Madalosso, de Curitiba, no mesmo balaio de um monte de restaurantes sem alma, cuja gestão visa apenas o lucro.
Tomei um merecido puxão de orelha de Beto Madalosso, da família que mantém a máquina azeitadíssima desde 1963. Eu posso não apreciar as escolhas estéticas do Madalosso. Mas preciso entender: o restaurante tem história, tradição e uma reputação que sobrevive graças às pequenas mortes que a família Madalosso e sua equipe impõem aos anacronismos que poderiam enterrar o negócio. Fui frívolo e peço desculpas.
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