Nos EUA, maconha é tempero; no Brasil, capim é comida
Recebi, na newsletter da Food and Wine –uma das maiores revistas de gastronomia dos Estados Unidos–, o link para uma reportagem intitulada “Guia da Cannabis Culinária”.
O texto começa com a descrição, pela repórter Amanda M. Faison, de um jantar para 180 pessoas em Nova York, em que todos os pratos tinham a maconha como ingrediente. Algumas comidas davam barato, outras não. Sobre o carpaccio de polvo, por exemplo, a flor da cannabis –parte da planta que se usa para fumar– era delicadamente ralada à mesa, como se fosse trufa ou um bom parmigiano-reggiano.
Seguem receitas maconheiras diversas. Rabanada com manteconha (manteiga de maconha). Rigatoni com vôngole, pimenta e maconha. Bolo com infusão cítrica de maconha e caramelo.
Mais adiante, dicas de produtos turbinados com Cannabis –azeite de oliva, mel– e um texto sobre um restaurante de Los Angeles especializado na culinária canábica.
Para um brasileiro, a matéria é absolutamente inútil. Nada do que está escrito lá pode ser feito aqui. Vale a leitura, contudo, pelo assombro. Parece uma revista feita em outro planeta.
“Na última década, a Cannabis invadiu o mainstream e a mesa de jantar.” Só se for na sua casa, cara-pálida! Por aqui, ainda se discute se a legalização da maconha medicinal não vai perverter e subverter a tradicional família católica cara-de-pau brasileira.
Enquanto lá o garçom rala um camarão de maconha em cima do polvo do bacana, aqui a polícia desce a porrada e prende quem fuma um baseadinho. Na periferia, é claro; aqui no Sumaré, os meganhas não querem encrenca com a garotada branca que queima a erva ilegal sem disfarce algum.
A Food and Wine traz alguns números interessantes sobre a participação da Cannabis na sociedade e na economia dos EUA. O mercado de bebidas enriquecidas com Cannabis movimentou US$ 1,4 bilhão (valor estimado) no ano passado. Entre 2018 e 2019, o setor de alimentos maconhados cresceu 27,5%.
Mais relevante, 66% dos norte-americanos apoia a legalização da diamba, do bagulho, do cigarrinho-de-artista –algo que já é realidade, inclusive para fins recreativos, em 11 estados (incluindo Califórnia e Illinois). Olha que estamos falando de um país governado por Donald Trump, o Nero Laranja.
A despeito da orientação política, o povo dos EUA pratica o liberalismo que prega; ninguém se mete na vida de ninguém. Fuma quem quiser, transa quem quiser com quem bem entender, desde que sem danos a terceiros nem dedo no olho.
Por aqui, os ditos “liberais” têm um apego irremediável ao autoritarismo. Enquanto os gringos temperam a comida com maconha, os brasileiros preferem comer capim sem sal.
Aliás, tive recentemente meu primeiro encontro tête-à-tête com uma a planta viva de Cannabis. A bicha é cheirosinha, viu? O manjericão que se cuide.