Sopa de morcego e outros horrores culinários
Queria escrever sobre a gastronomia paulistana no dia do 466º aniversário da cidade, mas a internet não deixou.
Numa das minhas visitas procrastinatórias ao Twitter, pipocou na tela uma notícia inquietante. A epidemia de coronavírus, responsável pelo cagaço global deste mês, pode ter a ver com uma sopa de morcego popular em Wuhan, na China.
Os folgazões tiveram a manha de postar fotos da tal sopa. Vééééééééééi! Para que uma coisa dessas, minha gente?
No colher tem um morceguinho todo engruvinhado, estorricado, com barriga aberta e os dentes arreganhados num sorriso de coisa morta. Quem quer comer um troço desses? Selo Ozzy Osbourne de falta de noção. Que vai para mim também, por ter repostado a imagem (já que não posso desver, não quero ver sozinho).
Sei que chineses apreciam larvas, escorpiões, aranhas, gafanhotos, qualquer criatura que anda ou rasteja.
Sei também que já defendi o direito de comer cachorro, gato, cavalo, zebra, coelhinho felpudo. A fronteira entre o fofo, o apetitoso e o repugnante é subjetiva: cada cultura a traça de acordo com seus critérios, blá, blá, blá.
Nem venha me esfregar na fuça esses textos passados. Agora escrevo sob escusável medo, surpresa e violenta emoção. Excludente de coerência.
Sopa de morcego simplesmente não dá. É o mais horroroso dos horrores culinários.
Sopa de morcego é pior que as gororobas dos grotões dos Estados Unidos. Pior que feijão doce no café da manhã. Pior que frango frito com waffle e xarope de maple. Pior que macaroni and cheese de caixinha, salgadinho sabor Chernobyl e refrigerante de cereja.
Sopa de morcego é mais repulsiva do que qualquer tranqueira que a infame cozinha inglesa já tenha inventado. Geleia de enguia, torta de rim, Marmite, mingau de aveia sem açúcar nem sal: nada disso é páreo para a sopa de morcego.
Sopa de morcego é mil vezes mais aviltante do que as tosqueiras da MPB –mesa popular brasileira. Supera a batata frita com queijo rançoso, o creme de cheddar laranja, o hot-dog com purê de batata (versão paulista) ou passas e ovos de codorna (versão carioca), o yakissoba de calabresa, a esfiha de Nutella.
Sopa de morcego consegue ser esteticamente mais deplorável do que os bastardos mestiços da gastronomia: coxibe (coxinha + quibe), acarabúrguer (acarajé + hambúrguer), pizzamaki (sushi com queijo derretido) e sushirrito (burrito + sushi).
Sopa de morcego ofende mais do que o pão com leite condensado do desjejum presidencial. Insulta mais do que comer macarrão à bolonhesa na Índia.
Perto da sopa de morcego, a detestável pizza de frango com catupiri parece obra concebida e executada por monsieur Paul Bocuse.
Por falar em pizza de frango, parabéns São Paulo! Que aqui ninguém invente de botar morcego no dogão ou no temaki.
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