Em tempos de coronavírus, até rodízio de churrasco chega pelo delivery
Peço desculpas antecipadas por fazer piada em ocasião tão lúgubre. Sei muito bem da gravidade da situação e estou tão apavorado quanto você –ou quanto você deveria estar, caso o leitor seja negacionista da pandemia.
Ocorre que ninguém viveu –sequer imaginou viver– uma época como esta. É tudo novo. Inusitado. Absurdo. E do absurdo brota o humor. Tem humor de sobra no apocalipse do coronavírus. Humor negro, ainda assim humor.
Não é preciso sair da quarentena para perceber que o mundo se tornou um hospício. É só examinar as redes sociais e a caixa de e-mail.
Metade dos meus amigos começou a postar, no Instagram, vídeos com eles mesmos fazendo ginástica em casa. Que raio é isso? Convite? Deboche? Provocação? Ouço uma voz invisível me sussurrar ao ouvido: “Gordo.”
Mando a voz calar a boca. Penso na solidão e no tédio dessa gente. Não dá tempo de ter empatia: sou logo engolido pelo meu próprio tédio e vou buscar algo diferente parta fazer.
No e-mail, o desespero transborda. As mensagens são quase todas de assessorias de bares e restaurantes. Quase sempre com o anúncio da abertura de um serviço de entrega em domicílio, o tal delivery. A prioridade é não afundar.
O delivery vem sido adotado até por estabelecimentos que sempre desdenharam desse formato de vendas.
Um exemplo é o Fasano. O grupo de restaurantes criou um aplicativo para receber pedidos, com cardápio reduzido e preços surpreendentemente razoáveis. Para dar uma ideia, o preço da cerveja long neck (R$ 12) é compatível com qualquer biboca hipster de Santa Cecília.
Fico imaginando o perfil dos usuários. Eles lustram a prataria para comer o macarrão da quentinha? Vestem-se de acordo com o padrão Fasano de luxo e elegância?
Sem o ambiente e o serviço, resta ao Fasano uma cozinha competente. Duvido que a comida se mostre excepcional num prato de duralex marrom.
Na outra ponta a gastronomia, vejo botequins do Rio e de São Paulo oferecer comida para viagem e entrega. Não vêm as mesas plásticas de cervejaria, nem a conta riscada a lápis, muito menos a saideira.
O bar existe para você fugir de casa por um tempinho. A comida viaja, o boteco não. A despeito disso, existe um bom motivo para pedir: ajudar um amigo em apuros (o dono da birosca).
O caso mais estranho que pipocou na minha caixa de entrada foi o delivery da NB Steak House, uma churrascaria rodízio. Como funcionaria algo assim?
Chega primeiro a polenta e depois a linguiça? Como acomodar os espetos na mochila de isopor? Você pode dispensar o motoboy que trouxe o frango? O entregador da picanha vai dar um perdido no freguês?
Claro que não. Eles vendem carne pronta por peso, como as rotisserias e alguns açougues. Estão certos em mudar para tentar sobreviver. Quando a peste passar, nada será igual. Até lá, fique em casa. Lave as mãos. Cuide dos seus velhos.
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