Saudade de beber no seu boteco favorito, né, minha filha?

No curto, mas intenso período em que trabalhei e vivi no Rio, meio que virei um especialista em bares moribundos. Fiz uma reportagem sobre botequins tradicionais que perigavam fechar e outra sobre investidores que salvaram esses bares da extinção absoluta.

Nunca eu poderia imaginar que, um pouco mais tarde, todos os bares do Brasil estivessem à beira da extinção.

Inclusive o seu boteco favorito. Pense neste quadro: o seu bar preferido pode não existir mais quando a quarentena acabar.

Você não tem um bar predileto?

Azar seu.

Eu tenho vários, de épocas e lugares diferentes.

Quando estive no Rio, fui seduzido pelo Popeye, um cantinho de vagabundagem boêmia no meio da gourmetizada Ipanema. Além de atrair os Bukowskis de bermudas da zona sul, o boteco tem ótima trilha sonora, chope decente e uma cozinha surpreendentemente boa. A moela, o pastel de costela e o feijão amigo são meus xodós.

Melhor de tudo, o Popeye fica no quarteirão em que eu morava. Proximidade é uma qualidade essencial para um boteco.

Mas não indispensável. Lá mesmo no Rio, me apaixonei pelo Velho Adonis, na zona norte –possivelmente a melhor comida portuguesa do Brasil hoje em dia. E a memória afetiva me prende a dois bares clássicos do Leblon: o Bracarense e o Jobi.

Voltando para casa (São Paulo), já tive muitos bares favoritos.

Na época de faculdade, gostávamos de beber no boteco da faculdade de odontologia, do outro lado da rua da escola de comunicações. Em determinada época, frequentávamos um pé-sujo de quinta categoria na Aclimação. O lugar tinha um nome oficial, que a gente ignorava solenemente. Para nós, ali era o Tremoço –porque numa noite fria e regada a Kaiser bock, lá celebramos o aniversário de um amigo com uma vela fincada numa porção de tremoço.

Já paguei pau para o Bar do Alexandre, na praia em Jericoacoara –antes de a vila se transformar na Duna de Caras. Quando trabalhava presencialmente na Folha, bebia nos botecos dos arredores. Porque, se não tem tu, vai tu mesmo. O SoCra (South of Cracolândia) é um ambiente cruel.

De todos os bares em que eu bati ponto, acho que o mais marcante foi o Filial, na rua Fidalga, Vila Madalena.

Já empilhava bolachas de chope por lá antes da virada do milênio. Quando comecei a trabalhar na editora Abril, que ficava na Marginal Pinheiros, o bar estava no meio do caminho de casa. Escala obrigatória.

Bolinhos, chopes, PFs, caldinhos e quetais. O Filial foi uma, hum, sucursal da minha casa entre 2000 e, sei lá, 2008. Nunca deixei tanto dinheiro em nenhum outro bar.

Era onde os jornalistas se encontravam depois do trabalho. Ficávamos até o bar fechar, torrando a paciência do garçom Ailton até que ele liberasse uma rodada de saideiras.

E, aos sábados, uma feijoada espetacular.

Parei de frequentar o Filial porque parei de frequentar a Vila Madalena. Aquele pedaço de São Paulo ficou inviável. Insuportável.

Corta para a segunda década do século 21. Numa festinha infantil, descubro que Ronen, pai de um colega do meu filho Pedro, é dono do Filial. Ainda assim, não volto ao bar. O mais próximo que cheguei disso foi uma reunião das famílias da escola no Genésio, do outro lado da rua, depois da apresentação de fim de ano das crianças.

No meio do isolamento forçado pela pandemia, o Filial se lembrou de mim. Ganhei uma feijoada para dois –dois dias de comilança desenfreada e solitária. O gosto continua exatamente igual, e a memória de dias mais felizes fez daquela feijoada a iguaria das iguarias.

Isto aqui não é uma propaganda do bar Filial, embora pareça. Isto é um lembrete para procurarmos nossos botecos favoritos depois que essa desgraça acabar. Se eles ainda estiverem lá. Para ajudá-los nessa travessia, compre deles para comer em casa sempre que a saudade bater.

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