A batata assou no fogo do parquinho dos Bolsonaro
Sextou. Ou melhor, #sextou.
A irritante hashtag ficou sem sentido com a pandemia e o decorrente distanciamento social.
Sextava quando o povo dos escritórios, depois de cinco dias de trabalho maçante, podia se entregar à cerveja e outros prazeres mundanos do fim-de-semana.
Na quarentena, tanto faz se é sexta ou segunda-feira. Tanto faz se você bebe às 8h da manhã ou às 8h da noite. Os dias são iguais, a galera está longe, a diversão não empolga e o futuro apavora.
Ontem, engraçado, #sextou. #Sextou fortíssimo. #Sextou como não sextava desde, sei lá, 2013 –ano em que o caldo começou a entornar.
A live das lives, com o demissionário Sergio Moro no palco, valeu o show. Houve quem abrisse as primeiras cervejas pouco antes das 11h. Não julgo. Eu parei de beber para preservar, no confinamento, o que me resta de sanidade. Fiz hambúrguer, comida festiva, a pedido do meu filho de 7 anos. E exagerei um pouco no café.
Enquanto o ex-ministro elogiava a conduta dos governos do PT, eu triturava a carne de gado no processador. Depois, quando revelou os crimes de Bolsonaro no episódio com a PF –obstrução de justiça e fraude, no mínimo–, a chapa começou a esquentar.
Hambúrguer pede batatinha. Meu moleque gosta mais da batata –um substrato quase neutro para o adorado ketchup– do que do sanduíche em si.
Só faz fritura quem não limpa fogão, pontuou algum influenciador de gastronomia em prisão domiciliar. Teríamos batatas ao forno, portanto. Enquanto a batata assava, eu enchia a caneca de café para acompanhar a repercussão da live matutina.
No Twitter, vozes à esquerda e à direita jogavam água na fervura. Não havia o que celebrar, por uma série de razões. Mais uma crise vai piorar um quadro já horroroso, concordavam destros e sinistros. É o roto falando do esfarrapado, alegava a esquerda ressentida. Nada de novo, bocejava a elite intelectual lacônica.
Discordo. Há, sim, de se celebrar o fato de Sergio Moro ter chutado o pau da barraca.
Nada do que disse o ex-juiz era novo para quem acompanhava a novela pelos fatos, pela cobertura da imprensa profissional séria. Para uma massa em surto coletivo, contudo, o jornalismo sempre conspirou contra o Mito e seus filhotes. Essas pessoas eram impermeáveis à argumentação objetiva.
Moro, endeusado pela manada, tinha o poder de estalar os dedos e acabar com o transe hipnótico. Ele o fez. “O imperador está nu!”, gritou o camareiro da corte.
Ontem, uma surra de realidade despertou milhões de brasileiros. Isso só pode ser bom.
A crise vai se agravar, mas iria de qualquer jeito. A desgraça do clã Bolsonaro terá efeitos colaterais nefastos, mas é necessária. O presidente e seus filhos são uma das pestes que assolam o país.
Pouco depois do meio-dia, com a chapa bem quente, pude grelhar o hambúrguer. A batata também já estava assada –no meu forno e em Brasília.
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