Nós, otários, e o arroz com feijão do velho malandro da Havan

“Churrascaria e butique”. Das janelas do ônibus que nos levava de São Paulo a Fortaleza, nós achamos muito engraçada aquela placa que vimos em algum casebre no ermo da estrada Rio-Bahia. Éramos universitários, sequer tínhamos feito 20 anos, havíamos visto muito pouca coisa ainda. Cabacildos completos. Ignorantes. A miséria física e intelectual do Brasil profundo nos fascinou.

Na Aclimação, quase centro de São Paulo, existe um sobradinho de esquina em que coexistem dois serviços: borracharia e igreja evangélica. Conserte o pneu furado e leve, de brinde, um bilhete para o paraíso celeste.

Não muito longe dali, no Bom Retiro, um comércio com placa em português e coreano anuncia: ótica e café. Se você não conseguir ler o cardápio, pode fazer um exame de vista.

Em comum, os três exemplos acima têm o improviso, a precariedade, o rústico. São soluções acochambradas e toscas de gente que precisa ganhar uns trocados, mas tem pouco tino empresarial –que dirá capital de investimento.

Por falar em tosco, Luciano Hang decidiu agora vender arroz e feijão nas lojas Havan. Ao lado das barracas de camping compradas pelos 300 de Brasília, há também óleo, molho de tomate, macarrão e sardinha em lata.

O proverbial velho da Havan é tosco de uma estirpe diferente dos empreendedores citados antes. Um sujeito de pouco estudo, que tropeça nas letras e concatena ideias com uma lógica primitiva. Administra os negócios no gogó.

A despeito de tudo isso, Hang tem de sobra o tal tino empreendedor. Saiu do interior de Santa Catarina para espalhar pelo Brasil as horrendas estátuas da liberdade que decoram o estacionamento das lojas Havan. Fez fortuna sem abrir mão desse tipo de escolha estética.

A diversificação do portfólio de vendas da Havan segue o manual de gestão do quitandeiro auriverde: intuição, atropelo, esperteza no limiar da malandragem.

Outras grandes empresas abrem o leque de produtos até venderem tudo o que há para se vender. O exemplo mais gritante é a Amazon.

A Amazon e outros gigantes, porém, expandem as operações dentro de um plano de negócios. Diversificam a razão social para crescer de forma sustentável.

Já nosso amigo Hang vende feijão para cavar uma brecha legal que lhe permita abrir suas lojas de departamentos, como ser fossem hipermercados, durante as restrições impostas pela pandemia da Covid-19. Ele nem se dá ao trabalho de disfarçar: abastece uma loja gigantesca com uma dúzia de sacos de arroz e poucos galões de óleo.

Entusiasta do regime cloroquino, Luciano Hang esperneia pela abertura do comércio desde que a quarentena começou a ser aventada. Deve estar agora gargalhando na Sala de Controle, esfregando as mãos em júbilo por ter desferido o golpe perfeito.

Talvez não seja ilegal –o próprio Hang alegou isso, em resposta a uma paulada que recebeu de Felipe Neto no Twitter.

Mas é um truque sujo. Uma gambiarra tão tacanha quanto a churrascaria-butique da zona rural de Jequié. Exceto nas intenções, que no caso da Havan nada têm de candura. O armazém de secos e molhados de Hang é competição desleal e, pior, escárnio diante da tragédia sanitária.

O Mister Magoo de Brusque está longe de ser cego. Sua visão de país, desgraçadamente, se constrói com base no infame jeitinho brasileiro.

Uma nação de otários que alimenta um punhado de espertalhões como Luciano Hang. Haja arroz e feijão.

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