A noite de São João dos mortos-vivos

 

Impressão minha ou as pessoas, na semana em que o número de mortes pela Covid-19 ultrapassou 40 mil, resolveram chutar o balde com força?

Tá todo mundo na rua. Tem fila para entrar em shopping center.

Possivelmente pressionados pelas associações de comerciantes, os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro abriram as porteiras para o rebanho ir às compras nas vésperas do Dia dos Namorados –data inventada por João Dória sênior, aliás.

Daí para um jantarzinho romântico e um chega-pra-cá no vuco-vuco dos lençóis macios, é um pulinho. Os que sobreviverem ao acasalamento de risco podem procriar.

Em março do ano que vem, teremos uma leva de Joões e Joanas, Wilsons e Wilzas nas maternidades das duas pontas da Via Dutra, em homenagem aos padrinhos do amor nos tempos de coronavírus.

Já que pode até uma surubinha básica –é sério, recebi por e-mail o anúncio de uma orgia de luxo em julho–, que mal teria uma quermesse inocente? Um arraiá junino com bandeirinha, quadrilha e um monte de comida.

Afinal, hoje é dia de Santo Antônio. Já, já chegam João e Pedro. O povo já está fora de casa, mesmo… por que não matar aquela saudade das festas juninas?

Essa turma desdenha dos riscos desse tipo de festa, existentes mesmo antes da pandemia. Vou enumerar alguns.

Engasgar-se com a casca do milho da pipoca. Sufocamento por churrasquinho de gato. Machucar embaixo da unha ao descascar pinhão. Intoxicação por amendoim. Passar a festa na cadeia. Receber correio elegante do seu stalker. Ser destacado para trabalhar na barraca do beijo.

A barraca do beijo, por sinal, nunca me pareceu uma ideia assim tão maravilhosa. Será que vão mantê-la nas quermesses proibidonas Brasil adentro? Apostaria um pé-de-moleque que vão.

O risco maior, contudo, mora na azia e na ressaca provocadas por quentão e vinho quente. Quase 100%. E a alternativa a essas bebidas costuma ser a cachaça pura, que induz a comportamentos irresponsáveis como pular a fogueira ou comprar dez bilhetes da rifa da motoca.

Claro que não haverá a quermesse da paróquia nem a festinha da escola, movida a cachorro-quente e guaraná. Mas duvido que consigam impedir o pessoal de se aglomerar em casas, chácaras e sítios.

Mesmo sem a desculpa do São João, as festinhas clandestinas já se tornaram mais uma tradição brasileira na pandemia –a exemplo do churrascão carioca que resultou no espancamento de uma médica intensivista.

As festas juninas de 2020 serão o arraiá dos mortos-vivos, mais um vetor de contágio dessa peste que, a julgar pelo comportamento dos brasileiros, não vai embora tão cedo. O abutre que fez ninho na Alvorada tem empregado a caneta de camelô para assegurar a liberdade de contaminação em currais privados.

A quem acha natural festejar no meio de tanta morte, fica uma dica: acenda a fogueira no meio da sala. Ela protege dos golpes de vento e, lembremo-nos, altas temperaturas matam o coronavírus, entre outros bichos daninhos.

 

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