Faça amor, não faça pão em casa
Como paulistano criado no balcão da padaria, eu lhes rogo: parem de fazer pão em casa.
Parece uma coisa inocente, lúdica e marota assar um brioche aqui e um sourdough acolá. O lazer meia-bomba da pandemia. Todo mundo está fazendo, para ocupar o tempo em casa e, principalmente, para não precisar comprar na padoca.
Aí que a porca torce o rabo. Levada ao limite, a modinha dos pães caseiros pode matar a padoca da esquina. A identidade gastronômica de São Paulo está em perigo.
Se todo mundo fizer pão em casa, zé fini padaria. O português pode até aguentar as pontas e manter o ponto. Mas terá tão-somente um ponto de venda de Marlboro vermelho, Trident azul, Hall’s preto e papel de seda para cigarrinho de artista. Se não tem pão, não é padaria.
Não acho que os padeiros de quarentena representem um risco real para o setor da panificação. Só lancei a provocação para que a gente possa refletir sobre nossos padrões de consumo na pandemia –e o quanto eles podem afetar a economia dos bairros.
Como não entendo nada de economia, fui consultar quem entende. Liguei para o André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton. Tomamos uma cerveja juntos –eu no Sumaré, ele em Pinheiros–, enquanto André explicava o dano irreparável da crise que está em curso.
“O modelo do delivery está destruindo o componente afetivo da economia, algo quem não pode ser mensurado”, disse o economista. Parece viagem na maionese, mas faz sentido.
Quem tem condições de ficar em casa se tornou refém dos aplicativos de entrega. O garçom do boteco, que você chamava pelo nome, foi substituído por um motoqueiro que chega zunindo e sai zumbindo. O restaurante que prepara a comida é uma cozinha sem janelas, com alguém para comandar os pedidos. O tio do Carrefour não vende fiado nem que a vaca tussa.
Grandes empresas podem manter a operação sem grandes sobressaltos. E cobrar menos. A cerveja que custa 5 no boteco do bairro custa 3 no varejista grandão.
De quem comprar?
Não há resposta simples. É bonito dizer que você ama o seu bairro. Que apoia o comércio e os serviços locais. A preservação das próprias finanças, porém, pode pesar mais na decisão da compra. Eu ajo assim e aposto que você também. É sensato agir assim numa crise aguda.
O Zé da quitanda e a Maria do boteco não têm dinheiro para pagar as taxas impostas por plataformas como Rappi e iFood. Você esquece que eles existem e gasta o dinheiro num comércio maior –que fica a 10 quilômetros da sua casa, mas está em promoção na latinha de 350 ml.
Isso quando a compra não é feita diretamente das corporações. Empresas como Nestlé, Unilever, JBS e BRF criaram lojinhas virtuais que eliminam os intermediários da cadeia normal.
Você pode economizar uns tostões ao comprar a farinha direto do moinho para fazer pão em casa.
O prejuízo, imensurável, é a troca do seu Manuel da padaria por um enzo qualquer –que fez MBA no Canadá e comanda uma rede de boulangeries parisienses fundada em 2019 na Vila Nova Conceição.
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