Reabrir bares é ser cúmplice do genocídio

Parece que agora vai.

Vai dar merda. Das grossas.

Bares e restaurantes estão de volta à atividade nas duas maiores cidade do país. No Rio, desde anteontem; em São Paulo, se mantido o cronograma, a partir de segunda-feira.

Pelo que vimos nas imagens de quinta-feira à noite no Leblon, não basta fechar de volta os botecos. Precisa chamar aquele meteoro que insiste em não espatifar a Terra.

Porque não é o Leblon. Não é o Rio. Não é o Brasil. É a estupidez humana, infalível e universal. Os bares, lamentavelmente, amplificam nossa burrice atávica e suicida.

Vimos acontecer há poucos dias nas ruas de Paris. Em Milão. Na Califórnia. Na Inglaterra. Em todos esses lugares, multidões se aglutinaram para festejar como se fosse 2019, sem máscara e sem bom-senso. Quando a ameaça não é o cano frio de uma espingarda na nuca, as pessoas se esquecem dela.

Não importa o suposto grau de civilidade: assim que as normas de distanciamento social são relaxadas, os humanos se sentem à vontade para mijar fora do penico.

O álcool é um catalisador, mas é preciso de um bar para o caldo de cultura perfeito.

Com ou sem pandemia, o boteco está para a vida adulta assim como o pique está para a brincadeira de pega-pega. É uma zona franca, livre de censura social. É lá que as pessoas podem se comportar mal e acordar no dia seguinte apenas com uma ligeira ressaca.

Tudo mais ou menos OK quando o mau comportamento se limita a ser inconveniente com o(a) crush do escritório. Com um vírus mortal à solta, a consequência de pequenos delitos se magnifica.

É uma medida genocida reabrir bares nesta altura dos acontecimentos.

Mas o chororô e o esperneio do setor, com lobby constante nos gabinetes dos gestores públicos, resultou na flexibilização antes do tal achatamento da curva.

Entendo o drama que vivem empresários e trabalhadores da alimentação. Uma multidão de empresários quebrou, outra multidão de trabalhadores ficou sem emprego. A crise chegou particularmente violenta para as bodegas e biroscas em geral.

A despeito do drama real, o setor de bares e restaurantes foi insensível e irresponsável nas demandas de reabertura. E agora se torna cúmplice do morticínio.

O único jeito de frear a peste é reprimir a socialização. E vida social é a mercadoria mais valiosa dos bares e restaurantes. Já descobrimos, neste ano atípico, que comida e bebida podem chegar de moto à nossa porta.

Para a retomada, anunciaram-se medidas sanitárias para tornar mais segura (e desagradável) a visita a bares e restaurantes. Máscaras, talheres de plástico, álcool em gel no lugar do saleiro, termômetro-pistola na entrada e até cabine de desinfecção.

Tudo lindo no papel. Pode até vir a funcionar nos restaurantes. Nos botecos, duvido. As cenas do Leblon, o Rio quase nórdico das novelas de Manoel Carlos, estão aí na nossa fuça.

Prefeito Bruno Covas, ainda há tempo de fazer o que é certo. Cancele a reabertura dos bares.

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