Você trocaria a educação dos seus filhos por uma cerveja no boteco?

Paul Krugman escreveu, para o “New York Times”, o artigo que eu gostaria de ter escrito. Então vou plagiá-lo na cara dura, pois o tema é de interesse público –além de ser de interesse particular meu.

O tal artigo, traduzido pela Folha, se intitula “Estados Unidos trocaram o futuro de suas crianças por uma visita ao bar”. Lá, como aqui, a reabertura precoce e irresponsável dos bares contribuiu para atrasar a retomada da educação presencial. O prejuízo é inestimável, pois não se trata de dinheiro.

Os cenários têm suas diferenças. Lá, o ano letivo começa em breve –as escolas estão em férias de verão. Aqui, temos até dezembro para correr atrás do currículo perdido. Tudo indica que, lastimavelmente, a corrida terá sido inútil. Frustração, raiva e desalento definem o estado de espírito de crianças e adolescentes e de seus pais.

O que leva alguém a trocar um ano de escola por uma cerveja gelada no boteco?

O imediatismo se manifestou de forma grotesca na pandemia da Covid-19. Precisamos de vida social para não enlouquecer, diz a maquiadora Aline. Precisamos resgatar os 6 milhões de empregos do setor, discursa dono de bar Marcelo. Precisamos salvar a reeleição, pensa silenciosamente o prefeito Lopes.

É consenso, entre especialistas, que o distanciamento social rigoroso permitiria reduzir a taxa de contágio o bastante para retomar as atividades escolares com segurança.

Não foi isso que aconteceu. Nos EUA e no Brasil, empresários pressionaram as autoridades para a reabertura do comércio, em especial dos bares e restaurantes –com o apoio de uma parcela significativa da população, que insiste no negacionismo frívolo. As autoridades, por estupidez doutrinária ou pragmatismo míope, liberaram geral.

O povo finalmente recuperou o provolone à milanesa, o tremoço, os picles de ovo de codorna, o chope de vinho, a caipirosca de frutas vermelhas. Em troca, renunciou ao ano letivo de seus filhos.

Em São Paulo, as aulas presenciais devem reiniciar em setembro. O governo não apresenta um plano convincente para a retomada segura –como ficou cristalino na coletiva de ontem.

Uma projeção matemática da Fundação Getúlio Vargas aponta 17 mil crianças mortas, caso o cronograma seja mantido. O medo impera. Do jeito que está, eu não mando meu filho para a escola.

Mas já podemos tomar batida de coco sob um toldo cheio de fuligem, beber cerveja aguada numa mesa vermelha de plástico, degustar torresmo oleoso com o cotovelo no balcão engordurado.

Para quem acompanha a rotina dos filhos, está evidente que as aulas a distância são insuficientes. Que as crianças não têm paciência nem disciplina para estudar sozinhas; que os pais não têm preparo nem tempo para cuidar da educação formal sem prejudicar a rotina profissional. Que os professores têm uma razão de existir. Né?

Perdemos o ano escolar. Perdemos a noção do que é importante de fato.

Mas sempre teremos o bar da esquina. Oba!

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