A pizza ‘artesanal’ da Seara e outras mentiras da indústria de alimentos

Engodo. Enganação. Caô. 171. No idioma marquetês, storytelling, narrativa, construção de marca, posicionamento de mercado. A indústria de alimentos tem mil ardis para passar a perna em nós, otários consumidores.

Somos feitos de idiotas em todas as etapas da cadeia –desde a formulação dos ingredientes, na fábrica, até a exposição do produto no ponto-de-venda.

Para a primeira situação, podemos usar de exemplo os sucos de fruta “sem adição de açúcar” –expressão que consta nos rótulos das bebidas industriais que se disfarçam de saudáveis. Mas são doces que até dói o dente, né?

Ficam assim porque o “não-açúcar” adicionado é suco de maçã depurado até perder o caráter “maçânico” e concentrado até ficar quase só… açúcar.

Já o posicionamento dos produtos na gôndola é jogo combinado entre os times do varejo e as equipes de vendas da indústria.

Não é preciso ter MBA para perceber que existe um plano em colocar perto do caixa do supermercado os doces mais ordinários, coloridos em tons radioativos, embalados de super-heróis ou princesas.

O sortimento de açúcar fica exatamente ao alcance das mãos entediadas da criança na cadeira do carrinho. O fedelho aturou as compras estoicamente, agora quer a recompensa; para evitar chilique infantil, o adulto culpado cede e compra uma porcaria doce qualquer.

Uma forma um pouco mais sofisticada de enrolação é o tal do storytelling –em inglês, conversa mole para boi dormir.

Ficou famoso o caso do picolé Diletto: a marca inventou um “nonno” italiano que fazia sorvete com neve (!!!) para dar algum charme ao produto da fábrica em Cotia, nos Alpes Osasquenses.

Agora a Seara surge com uma linha de pizzas pretensamente artesanais. Não custa lembrar que ela é uma marca da JBS, conglomerado industrial que, no noticiário, oscila entre o caderno de negócios e as reportagens sobre escândalos de corrupção.

A própria Seara, não faz tanto tempo assim, trouxe o chef italiano Cesare Giaccone para vender lasanha congelada de caixinha.

Giaccone é um nome respeitado da gastronomia italiana, com seu restaurante numa vila do Piemonte, terra de trufas e de vinho espetacular. Foi apresentado na campanha como “especialista em lasanha”.

O tiozinho deu uma garfada do negócio e fez joinha para Fátima Bernardes. Com o cachê que embolsou, endossaria até ravióli de cocô. Talvez não soubesse o tamanho do mico que estava pagando –convencido pelo publicitário que foi tomar barolo em Albaretto e ficou extasiado com o próprio insight.

É forçoso admitir que a tal pizza “artesanal”, em comparação com outras comidas de supermercado, representa um salto de qualidade. A massa só tem farinha, água, fermento e sal. O único aditivo do molho é ácido cítrico, que já vem no tomate enlatado. O queijo parece ser queijo de verdade.

Mas os gênios de propaganda e marketing precisam extravasar o excesso de talento. Carimbaram: “artesanal”, o mais vilipendiado adjetivo da alimentação. Impossível ser artesanal algo produzido pela Seara para o Carrefour e o Pão de Açúcar.

A JBS mente outra vez.

Faixa-bônus que não coube na coluna impressa: a pizza “artesanal” de calabresa, como você pode ver na foto, é rotulada como “calabrese”, com “e” no final. Sim, a palavra quer dizer “calabresa” (natural da Calábria) em italiano. Não, essa palavra não é sinônimo de linguiça na Itália. Não, não existe o sabor de pizza “calabrese” na Itália. com linguiça em rodelas e cebola.

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