Ninguém aguenta mais cozinhar em casa. Nem eu
Um leitor me admoestou outro dia, quando postei no Instagram a foto de uma pizza que eu pedira para o jantar de domingo.
A intimação veio num toma mais ou menos assim: “Ué, não é você quem diz que pizza para viagem é sempre meia-boca?”.
O primeiro instinto foi mandar o sujeito me procurar na casa do chapéu, mas consegui me controlar. Lembrei que eu realmente escrevera aquilo e, desde então, não mudei radicalmente de opinião. Em geral, não costumo pedir pizza ou outra comida. Gosto de comida recém-feita, caseira ou de restaurante.
Só que a foto estava lá, uma contradição e uma incoerência estampadas na internet. Havia um conflito, que eu demorei um pouco para absorver e processar.
Ainda irritado, respondi ao leitor que o texto fora escrito no início de março, quando a ficha da pandemia ainda não havia caído. Meio ano depois, falou alto a vontade de comer algo diferente daquilo que eu mesmo cozinho no confinamento doméstico –que certamente já foi mais estrito, mas ainda impõe um razoável pânico de frequentar restaurantes.
Hoje topei com um texto do site de gastronomia Epicurious, sobre a ocorrência cada vez mais frequente do burnout nos cozinheiros domésticos em quarentena.
É isso.
“Burnout” é uma palavra sem tradução exata, que se refere a um piripaque emocional relacionado à depressão. Estafa e esgotamento são sentimentos associados ao burnout. O indivíduo encara um tipo de paralisia, a total falta de iniciativa para fazer justamente as coisas que mais gosta.
No meu caso, cozinhar. Não estou sozinho. A obrigação de esquentar a barriga no fogão todos os dias está roubando o prazer de cozinhar de muita gente. Mais uma desgraça dessa pandemia maldita.
Lá por maio, eu já ouvia esse tipo de queixa de meus amigos. Amigos sem relação profissional com a cozinha, que da noite para o dia precisaram fazer feijão, planejar refeições para a semana, lavar panelas.
Eu já fazia todas essas coisas, já cozinhava quase todo almoço e todo jantar. Comigo estava suave. Estava. Agora pegou. Não tenho mais tanta vontade de cozinhar. Enjoei do meu próprio tempero. Minhas escolhas alimentares estão terrivelmente monótonas, mas não consigo criar nada muito diferente.
A má notícia é que precisamos comer para sobreviver, então não há como fugir da cozinha, com o sem burnout. A boa notícia é igual à má notícia: precisamos comer e acharemos um jeito de lidar com a situação, mesmo que a solução venha a fórceps. Como diria Nelson Ned, tudo passa, até a uva passa.
Os especialistas ouvidos na reportagem gringa apontam duas atitudes para fugir da estafa culinária. Uma é reencontrar a conexão da atividade com o prazer: fazer algo realmente especial, concentrar-se nas sensações, atribuir significados especiais a uma tarefa corriqueira. Para mim, um pouco badauê além da conta. Pode funcionar com alguns.
A outra é dar um tempo e esperar passar.
Almoce miojo. Jante misto quente. Coma pipoca de micro-ondas no café da manhã.
Permita-se pedir pizza e comer na caixa, com as mãos, para não precisar lavar nada depois.
Mais tarde a gente volta a abrir massa de macarrão no rolo, essas coisas…
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