O assombroso sanduíche podre do Burger King

Há alguns dias, o Burger King lançou no Brasil uma campanha publicitária sui generis. O vídeo do comercial mostra o Whopper –carro-chefe da rede norte-americana de fast-food– em quadro estático, numa filmagem que presumidamente demorou 34 dias e foi acelerada para durar 34 segundos. No final, o sanduíche está mofado.

Eita.

Uau.

Agora vem o texto que acompanhou o vídeo num post do Twitter em 18 de setembro:

“No Burger King, o sabor vem em primeiro lugar. Em segundo e terceiro também. Por isso, retiramos todos os conservantes de origem artificial do Whopper, porque comida de verdade é muito mais saborosa.”

Uma obra-prima da redação publicitária. Esqueça a primeira e a segunda sentenças, de sentido rigorosamente nulo. Na terceira frase, lê-se: “retiramos os conservantes (…)”. A escolha do verbo é assaz reveladora. Poderiam ter dito “não usamos”, “abominamos” ou “temos nojinho dos”. “Retiramos” pressupõe que eles estavam lá até outro dia.

Prosseguindo na mesma sentença, a peça afirma que a retirada ocorreu “porque comida de verdade é muito mais saborosa”. A lógica mais elementar nos leva a concluir: o Burger King confessa que, na encarnação da semana passada, vendia comida de mentira. Candura pura.

O assombroso do episódio é revelar a capacidade do marketing/publicidade de sabotar uma iniciativa fundamentalmente positiva. Não sou fã de nenhuma fast-food, mas é obviamente melhor para todo mundo que essas redes removam substâncias tóxicas do alimento.

Para quem não entendeu bem a campanha (com Nelson Ned ao fundo, cantando “Tudo Passará”), ela é a versão brasilina de uma ação global lançada no começo do ano. Uma provocação contra o McDonald’s. Já viraram folclore os experimentos amadores com sanduíches e batatinha do Mac, deixados ao léu por meses a fio, sem apodrecer.

A julgar pelo subtexto do comercial, o mesmo aconteceria antes com o Whopper do Burger King. Mas agora não, pois a “marca” é fantástica e passou a oferecer –atenção novamente– comida de verdade.

Comida de verdade é o mínimo que se espera adquirir de um comércio de comida.

O mínimo que se espera de um hambúrguer é que, esquecido à intempérie, ele apodreça em alguns dias. Cinco semanas para criar mofo azul, convenhamos, é uma meta acanhada. Eu falaria em moscas, larvas, moscas recém-nascidas e desintegração total nesse intervalo de tempo.

Só não digo que a campanha foi um tiro no pé porque, como se sabe, ninguém nunca perdeu dinheiro ao apostar na estupidez alheia.

O Burger King, em vez de tentar lacrar em cima da concorrência, deveria pedir desculpas por vender comida falsa entre 1954 e 2020.

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