A grande trapaça das padarias

Cacetinho é seu nome no Rio Grande do Sul. Em Sergipe, chamam-no de pão jacó. O cearense pede pão carioquinha, o paraense come pão careca, o capixaba e o mineiro compram pão de sal. Em São Paulo, ele é simplesmente pãozinho.

Circula nas redes sociais um mapa do Brasil dividido de acordo com a denominação regional do pão francês. Se é preciso na cartografia, não sei, mas diverte.

O que não é divertido: esses pães, apesar dos nomes diferentes, são todos iguais. Porque todos são feitos com fórmulas prontas vendidas pelos moinhos e por conglomerados transnacionais. Como os bolos de caixinha do supermercado.

Ontem (16) foi o Dia Mundial da Alimentação, que celebra a fundação da FAO, braço das Nações Unidas responsável por programas de combate à fome. O pão, mais básico dos alimentos, pegou carona na homenagem. Assim, 16 de outubro também é o Dia Mundial do Pão.

Minha caixa de e-mail foi inundada com lembretes da data, de remetentes ligados à indústria da panificação. Setor que não se limita aos pães industriais prontos; ele atua sem alarde, longe da atenção do consumidor, no fornecimento de insumos para padarias de qualquer tamanho.

Até o final do século passado, a qualidade média dos pães era lamentável no Brasil, é forçoso admitir. No lado positivo, cada padeiro tinha sua receita. Um cacetinho não era um careca, ainda que a diferença fosse sutil.

Mataram um problema com outro problema maior. Vieram a profissionalização e as pré-misturas que aniquilaram a diversidade regional. Todas as padocas as usam –exceção feita aos padeiros artesanais, que recorrem ao adjetivo para anunciar que preparam a própria massa.

Entro na padaria do meu bairro para checar as opções. Multigrãos, australiano, semi-italiano… “Ma che cazzo” é um semi-italiano? Um pão da Mooca, que fala com sotaque meio calabrês?

Errado: esse é o nome que vem na caixa da mistura. No meu bairro, em Sorocaba, em João Pessoa. O fenômeno da massa pronta é global. Não escapam dele nem as baguetes que viajam sob o sovaco dos parisienses.

Pão, na sua forma mais simples, é farinha e água. A maioria leva fermento e sal. Pode ter também açúcar, ovos, manteiga, banha, azeite, leite… tudo isso faz parte do receituário clássico.

As misturas vêm com “melhoradores” de farinha e um rol de ingredientes que você só viu antes na apostila de química do cursinho. Isso não é bom, mas tem coisa pior na utilização desses preparados.

“Os processos tradicionais requerem um cuidado excessivo com a massa, (…) um maior conhecimento técnico do padeiro”, diz um texto de 2017, sem assinatura, da revista “IPC”, publicação para empresários da panificação.

Em outras palavras: não fossem as misturas, as padarias precisariam contratar padeiros que soubessem fazer pão. Ou investir em treinamento. Isso soa um tanto revolucionário, quase subversivo.

Você frequentaria uma cantina que usa molho de tomate enlatado? Pagaria para comer miojo num restaurante japonês? Esse tipo de ardil se chama trapaça.

Retiro aqui o que disse na coluna de 27 de junho, “Faça amor, não faça pão em casa”. Faça os dois.

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