A morte que alimenta a vida

Estou fazendo churrasco. O primeiro e único do feriadão, pois até ontem eram só chuva, vento e frio.

Neste ano, pela primeira vez ganhou força midiática o Dia Mundial do Veganismo, celebrado ontem. Parte da militância gostou da ideia de estender a celebração pela semana, uma fração desta por todo o mês de novembro. Tudo bem.

Como o feriado diz respeito ao Dia de Finados –data cristã para, em tese, lembrar-se daqueles que já morreram–, houve posts nas redes sociais que misturaram as duas efemérides.

O tom básico é o seguinte: “você lamenta os mortos humanos, mas mata animais para comer nos Finados”. A condenação de um desses post mira especificamente o churrasco, como se fosse a hipocrisia das hipocrisias. Churrasco que está em curso aqui, agora. A ilustração é a que eu reproduzo lá em cima.

Os veganos estão no seu direito de pregar e doutrinar, ok. Mas a argumentação –sustentada pela imagem de uma vaca empalada por uma cruz– se mostra flácida. E olha que eu sou ateu.

Não é falsidade do cristianismo. Celebrar os mortos é um ritual comum a todas as culturas porque, obviamente, nascer e morrer são eventos universais. O tal do ciclo da natureza.

O que a propaganda vegana finge ignorar é que a morte é indispensável nesse ciclo. Só existe vida se houver morte. As criaturas vivas se mantêm vivas às custas da morte de outras criaturas. Não dá para ser diferente.

É o boi do churrasco, é também o adubo orgânico que alimenta as cenouras orgânicas da feirinha orgânica.

Crueldade é uma conversa totalmente diferente.

Ontem, assisti com meu filho a dois episódios da série documental “Nosso Planeta”, de David Attenborough.

Numa cena no Ártico, um urso polar vê um filhote de foca dando sopa no gelo, vai lá, pega o bichinho fofinho na boca e vai almoçar em algum outro lugar. Sem violência nem emoções fortes. O moleque ficou horrorizado. Xingou o urso e o escambau a quatro.

Eu e a mãe dele passamos os dez minutos seguintes na função de explicar-lhe que o urso precisava comer para sobreviver. Ele não matou o filhote de foca para satisfazer um desejo sádico.

Sádicos: essa é a pecha que os ativistas vegano buscam colar em nós que comemos carne. Não somos, e eles –quase todos eles– sabem bem disso. Eles estão sendo mais cristãos do que os cristãos que eles criticam, ao levar a culpa aonde ela não deveria ter chegado.

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