Mais vale um vinho na adega do que dinheiro no fiofó

Interessante a repercussão do post  “Restaurante vende garrafa de R$ 11 mil, serve vinho da casa e cliente nem percebe”, que eu publiquei no blog em 22/10.

Resumo meio porco: um restaurante de Nova York trocou os pedidos de duas mesas. Uma havia comprado o vinho mais caro do lugar; a outra, o mais barato. As bebidas foram servidas em decantadores sem identificação, e nenhum dos clientes percebeu o engano.

O assunto rendeu mais de 140 mil visualizações e uma coluna do Hélio Schwartsman, que questionou os métodos de análise sensorial de vinhos. Esta, por sua vez, suscitou a réplica do sommelier Manoel Beato, em defesa da categoria profissional.

O sucesso de uma nota tão boba, eu presumo, vem da antipatia das pessoas comuns –aquelas sem interesse particular por vinhos– pelos esnobes cheiradores de rolha. Vê-los em situação ridícula é catártico.

Vamos combinar que os enófilos, com as exceções de praxe, merecem a fama de besta que têm. Seu círculo é um clube exclusivista. Não é fácil entender o vinho; o caminho do conhecimento, estreito, passa por dinheiro e/ou a disposição para socializar com gente que não seria sua amiga em outra situação.

O clubinho é um ímã de novos-ricos. Gente que já tem o dinheiro, mas ainda corre atrás do reconhecimento da galera que, como se diz na rua Haddock Lobo, tem berço.

Um atalho comum nessa corrida por status é queimar etapas na longa estrada entre o carmenére reservado e o bordeaux de cinco dígitos.

Vinho é um hábito caro. Para além das garrafas de supermercado, de trintão a cento e poucos reais, qualidade e valor aumentam gradualmente e compassados. Até algum vinho de prestígio excepcional quebrar o mecanismo –seu preço, puxado pela demanda do mercado de luxo, sobe em desproporção com a excelência do produto em si.

É nessa categoria que se encaixa o Château Mouton-Rotschild do episódio em Nova York. Um vinho espetacular, dizem, mas que custa mais do que vale.

Os grandes rótulos se tornaram investimento financeiro e fetiche de colecionador. “Tem muita especulação”, diz Rodrigo Lanari, da consultoria WineXT, especialista no mercado de vinhos. “Algumas garrafas trocam de mãos várias vezes, viajam o mundo todo e nunca são abertas.”

O mercado contempla estratos de intermediários –negociantes, distribuidores, importadores– entre o produtor do vinho e a adega climatizada de um bacana qualquer.

Caixas e mais caixas acabam em posse de pessoas jurídicas, que usam o vinho para azeitar o relacionamento com clientes estratégicos. Muitos deles, do setor público.

Vinhos caríssimos –tal qual relógios e joias– são uma forma de propina mais discreta do que maços de notas de R$ 200 enfiadas na buzanfa.

Propina com a vantagem da dupla liquidez do vinho. Se tudo der errado e a grana parar de fluir, é fácil passar adiante uma garrafa de colecionador. Se tudo der certo, porém, o fluxo não cessa.

Aí é só abrir a garrafa de 10 mil ou 20 mil contos –que foi grátis, afinal–, cheirar a rolha, girar a taça, falar umas groselhas e ficar bem na fita com os parças.

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