Na pandemia, me apaixonei pela garrafa térmica de café
Eu nunca havia adquirido uma garrafa térmica na vida.
Lembro o tempo em que minha mãe as enchia com água e suco gelados para servir dentro do carro nas viagens longas –excesso de zelo materno, já que parávamos a cada 50 quilômetros para usar o banheiro.
Já adulto, observava com pasmo os gaúchos e argentinos que percorrem as praias do Nordeste com a térmica sob o sovaco e uma cuia de mate na mão. Bebida quente na Pipa? Tenha misericórdia.
Via com extrema desconfiança as térmicas de café de salas de espera e ambientes de trabalho em geral. Mesmo quando fresco, recém-passado, o café era de qualidade sofrível e trazia o risco de uma overdose de açúcar.
Antes de ser expelido do mercado formal de trabalho, eu mal tomava café em casa, aliás.
Fora dela, o cafezinho era pretexto para uma escapadinha da mesa. Aquela sacudida que o cérebro precisa quando começa a girar em falso.
Café era sinônimo de expresso, grosso e preto feito piche, que saía da máquina da cantina da editora.
Quando não havia tempo ou disposição para ir tão longe, eu confesso, apelava para a máquina automática do andar. Não sei como eu conseguia beber aquele lixo.
Em casa, eu tinha uma moka italiana, que morava na estante da cozinha e pouco saía de lá.
Tudo mudou com o tal do home office. A mokinha não dava mais conta de tanto café.
Eu cheguei a ter em casa uma máquina de expresso, dessas com cápsulas, presenteada pelo ex-sogro. Fora a tonelagem de lixo gerado pela coisa, fui perdendo o gosto por café forte e torrado demais.
Comprei uma cafeteira elétrica, com bule de vidro, que mantém a bebida quente. Pois é: a mesma chapa que mantém a bebida quente trinca o bule de vidro (que custa a mesma coisa que o conjunto todo, mas é mais difícil de achar).
Comprei duas, comprei três cafeteiras. Em vez de comprar a quarta, decidi me render à garrafa térmica das lembranças doces demais.
Hoje compro pó bom (bom o bastante para o poder do meu pix) e faço café como a minha mãe fazia, no filtro de papel sobre a garrafa térmica.
Eu amo a minha garrafa térmica.
Pena que o amor não seja correspondido. A ingrata não fecha direito e deixa escapar calor. O café deveria ficar quente por seis horas, mas dá 40 minutos e já preciso reaquecer no micro-ondas.
Posso comprar uma garrafa melhor? Posso, mas não tenho garantia alguma de que um investimento maior vá trazer a qualidade prometida. E já peguei carinho.
Sigo resignado com o amor meia-boca que a vida me trouxe na pandemia.
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