Aglomerar no boteco é fazer roleta-russa na cabeça dos outros

Ontem à tarde, foram aprovadas as duas primeiras vacinas contra a Covid-19.

Ontem à noite, o idiota brasileiro se aglomerou no boteco como se estivesse vacinado e imunizado.

Deve ter acontecido pelo país todo, mas vou falar da amostra que tive no meu feed de Instagram. Aglomeração em dois bares que eu frequentava e sigo no Rio, ambos no corredor formado pela avenida Ataulfo de Paiva, no Leblon, e pela rua Visconde de Pirajá, em Ipanema –dois bairros, uma só praia cortada pelo canal da lagoa Rodrigo de Freitas.

O Jobi, do Leblon, fez posts para denunciar a permanência de uma galera na frente do bar fechado. Eram frequentadores de outras casas e gente que comprava bebida de ambulantes. Para a vizinhança, incomodada pela zona dentro de seus apartamentos, eram clientes do Jobi.

Diferente era o caso do Popeye, em Ipanema –o meu bar de estimação quando morei no Rio, a poucos passos da minha cama e do meu banheiro. O perfil do bar publicou várias fotos de clientes se abraçando e bebendo, todo mundo juntinho e sem máscara. Na barbearia do imóvel adjunto, luzes coloridas indicavam a ocorrência de algum tipo –o movimento foi registrado em vídeo nos stories do Popeye.

Sigo muita gente do setor de alimentação e tenho visto um relaxamento preocupante entre esses empresários. É um festival de abraços, beijos, ausência de máscara e uma postura mezzo coitadista, mezzo chantagista que desafia as restrições ao funcionamento. Vocês não aguentam mais esta trolha, nós também não.

“Ain, mas é permitido ir ao bar.” Sim, a lei permite. Falta uma lei proibindo a burrice e a mesquinhez. Um pouco de bom senso não faria mal. Vai lá, senta ao ar livre, fica um pouco, toma um chope. O bar tá cheio? Passa batido. Começou a encher comigo dentro? Vaza.

Porque o bom senso equivale à autopreservação. E a autopreservação, numa pandemia, passa por zelar pelo bem da comunidade.

Outras imagens do Rio rodaram o mundo no final do ano passado. Eram festas ilegais desbaratadas pelas autoridades. Uma delas se transferiu para a areia da praia de Ipanema, veja só, e de lá não arredou. Era uma festa gay, quase só havia homens sem camisa –desnecessário fizer que sem máscara, também.

Existe uma prática que o submundo gay chama de bareback –em tradição literal, “traseiro pelado”, uma analogia com a montaria a pelo. Consiste em praticar sexo anal com desconhecidos, sem camisinha.

É uma imbecilidade atroz, roleta-russa sexual que dá passagem livre para o HIV e DSTs em geral. Quem entra na brincadeira sabe dos riscos. O problema está nos parceiros futuros dessas pessoas –se eles forem responsáveis, provavelmente não se contaminarão.

Aglomerar no boteco em pleno pico da pandemia também é fazer roleta-russa. Mas aí o revólver está apontado para a cabeça alheia, para os miolos que o botequeiro não conhece e tem raiva de quem conhece.

O coronavírus se transmite pelo ar, não precisa liberar o bareback. Quem ignora as medidas sanitárias brinca com as vidas de todos nós.

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