A pandemia, as Forças Armadas e 714 toneladas de picanha
Diz o horóscopo chinês: estamos sob o signo do Boi. Na China e aqui também, o boi é um animal manso, disciplinado, obstinado, ruminante e cidadão de bem.
Apesar de não acreditar em horóscopo de qualquer nacionalidade, posso sentir fortes as vibrações bovinas de 2021. O Brasil tem os dois maiores rebanhos do mundo: um deles vira almoço, o outro muge em consonância com os absurdos do presidente.
No Brasil, a entrada do Ano do Boi foi marcada pela revelação da farta distribuição de picanha, cerveja e carvão na cúpula das Forças Armadas. Juntas, essas três coisas só podem significar uma coisa: churrascada. Paga pelo contribuinte em plena pandemia.
As compras, da mesma lista que gerou a barulheira do leite (bovino) condensado, foram contestadas em uma representação entregue por deputados federais do PSB à Procuradoria Geral da República. Os parlamentares apontam sobrepreço de até 60%.
Sem moralismo de tia do zap: a aquisição de comida e bebida caras se justifica no alto escalão do poder público. Todo governo promove jantares, recepções, coquetéis e outros salamaleques para convidados teoricamente ilustres.
O combo cerveja + carvão + picanha, porém, sugere lassidão no emprego da verba. Churrascadas não costumam ser eventos protocolares –em vez disso, são ocasiões bermuda-e-chinelo, de confraternização entre pares.
Todo escritório, toda redação, toda repartição faz um churrasco de vez em quando. Claro que o quartel também pode –desde que a esbórnia seja paga com os vencimentos dos próprios oficiais.
“Mas a firma do meu cunhado bancou carne e cerveja para todos os funcionários!” Empresas privadas lucram com o trabalho de seus funcionários, fazem até pouco em renunciar a uma fração do lucro para deixá-los bêbados e alegres.
A administração pública e as Forças Armadas não lucram nada, não produzem nada, apenas gerem a grana dos nossos impostos. Não é moral fazer a farra do boi para generais, brigadeiros e almirantes.
Segundo a representação protocolada na PGR, em 2020 as Forças Armadas adquiriram 714,7 toneladas de picanha.
Uma compra feita pela Marinha avaliou em R$ 118,25 ou preço médio da picanha. Vejamos. Na Casa Santa Luzia, supermercado dos ricos de São Paulo, um quilo de picanha argentina da marca Pico custava R$ 107,27 na sexta-feira (12) à tarde. A picanha Korin –orgânica!– saía por R$ 114,90.
Os almirantes acabaram por pagar R$ 84,14 no quilo da carne. Mais caro do que os R$ 78,93 da picanha Nobre Ouro Swift, na loja da marca –e duvido que possuísse nobreza áurea.
Para beber, mais de 80 mil cervejas em garrafas e latas de vários tamanhos, sempre com preferência em marcas como Heineken, Stella Artois e Eisenbahn. E sempre com preços superiores aos do mercado da esquina.
Já seria ruim em condições normais de temperatura e pressão. Pior numa pandemia e sob o desmando do general Pazuello. Muito pior quando as Forças Armadas se recusam a abrir os hospitais militares para o tratamento de civis com Covid-19.
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