Restaurante ‘secreto’ da Folha serve jornalismo e poder com batatas

Aproveito a celebração do centenário da Folha para soltar um texto que há dois anos quero publicar: a resenha do restaurante executivo do jornal.

Na antessala, enquanto esperávamos os convidados restantes –era um almoço para colunistas–, um graduado profissional da redação esticou o pescoço com o nariz para o alto. Ele farejava o cardápio.

“Vai ser peixe”, cravou, com expressão facial pouco auspiciosa. Era minha primeira vez lá, não sabia o que me aguardava. “As batatas são boas”, emendou, com um sorriso cúmplice.

A enorme mesa da sala de serviço tinha lugares marcados com plaquinhas sobre a toalha. Eu era café pequeno naquele time de convidados. Estavam lá o Contardo Calligaris, o Zeca Camargo, a Mariliz Pereira Jorge. Assunto não faltou –vivíamos o começo de 2019 e do governo que aí está. E teve comida, também.

O peixe, nenhum prodígio, tampouco chegava a assustar. Como os garçons vinham com bandejas para montar os pratos ao gosto do freguês (serviço à francesa ou à inglesa, nunca sei qual é qual), segui o conselho que ouvira na antessala. Mandei caprichar na batata, que estava realmente gostosa.

Eu não esperava comida fenomenal e, francamente falando, seria estúpido esperar. Estávamos na ala social da direção da Folha. A especialidade lá é jornalismo, não o linguado à belle meunière.

Empresas de comunicação mantêm restaurantes executivos para eventos internos, como o que eu descrevo aqui, e para receber gente importante. Chefes de estado, capitalistas graúdos, personalidades que frequentam as manchetes do jornal. No ninho dos paparazzi, mas longe deles.

São lugares discretos, quase secretos, raramente visitados pela plebe a que pertenço. Já comi em três desses restaurantes e posso dizer: comida nunca é o prato principal.

Muitos anos atrás, estive na sede da Globo, no Jardim Botânico carioca. O que mais me impressionou foram as televisões ligadas –e sintonizadas na Rede TV! Serviram-me um galeto pouco memorável e a descrição de um emprego que jamais se concretizou.

No longo período em que trabalhei na Editora Abril, almocei três ou quatro vezes no espetacular restaurante do topo do arranha-céu que a empresa ocupava na Marginal Pinheiros. Espetacular pela vista panorâmica da zona oeste de São Paulo; a comida, como sói ocorrer, não falava alto ao estômago.

Curioso que um desses almoços tenha sido com ninguém menos que Nigella Lawson, a estrela internacional, a musa da culinária televisiva. Em 2013, ela veio ao Brasil para lançar um de seus livros. Não me recordo do cardápio do evento –numa sala reservada, com jornalistas de vários títulos da editora.

Britanicamente, Nigella comeu tudinho sem tecer um único comentário mordaz. Ela deve estar acostumada: pouco provável que os refeitórios executivos da BBC e do “Guardian”, se é que existem, sejam famosos pela alta gastronomia.

Nesse tipo de restaurante, a comida é apenas o tempero das conversas sobre jornalismo e poder.

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