Lula e Bolsonaro entram num bar

Meu tio, já morto, foi coronel da Polícia Militar paulista. Nos estertores da ditadura e um pouco além disso, ocupava posto alto na hierarquia da corporação. Nunca soube de sua participação no aparato repressivo, mas uma coisa posso dizer com segurança: ele não simpatizava com comunistas, socialistas e esquerdistas em geral.

O coronel descreveu, numa reunião familiar, o encontro que teve com o então deputado federal Lula (mandato de 1987 a 91). Sei lá de que os dois trataram no gabinete do petista em Brasília. Só sei que o meu tio saiu de lá fascinado.

O sindicalista barbudo –então considerado um radical perigoso– abriu uma gaveta e pôs sobre a mesa uma garrafa de cachaça. O tio, entusiasta da cana em mais de um sentido, relaxou e se deixou levar pela prosa. Aos parentes, falou maravilhas sobre a simpatia e o carisma de Lula.

Não preciso gastar tinta com a sucessão de fatos que culminou no discurso histórico de Lula, na quarta-feira (10). Sua fala rompeu a nuvem de apatia e fatalismo que borra a mente dos brasileiros.

Você pode não gostar de Lula. Mas precisávamos de uma liderança para fazer frente ao Bolsonaro, não? Tá lá: ninguém mostrou credenciais melhores. Com a vantagem de ser um líder de churrasco e boteco.

“Vocês não sabem como eu ficava feliz quando via um trabalhador mostrar uma picanha e dizer que ia comer e tomar cerveja”, disse o ex-presidente no pronunciamento. Sabemos que é tudo calculado –melhor a empatia calculada do que o ódio visceral.

Responda com sinceridade: com quem você prefere dividir a mesa do bar? Com o Lula Picanha e Cerveja? Ou com o Bolsonaro Cloroquina e Arminha?

Para começar, Bolsonaro não bebe álcool em público. Para se contrapor a Lula, só toma refrigerante –como se esse hábito infantiloide fosse saudável.

Que tal se sentar no boteco com um tiozão que pede guaraná Jesus e ainda faz piada homofóbica com a cor rosa da bebida? Cruz credo.

Bolsonaro e a direita colaram em Lula o rótulo de pinguço, como desvio de caráter. Até jornalista gringo engoliu, embora o petista nunca tenha se excedido em eventos protocolares –tampouco há indícios de que o diabinho do álcool o tenha guiado em decisões desastrosas para o Brasil.

Não é só a birita. Imagine a mesa de bar como um cenário ao estilo de “A Praça é Nossa”, em que os amigos do anfitrião chagam e vão embora.

Na mesa de Lula vão passar Obama, Chico Buarque, Gilberto Gil, até o papa para bicar um vinho mendocino; na de Bolsonaro, o bispo Edir, Olavo, os irmãos Weintraub, o ministro sanfoneiro. É para pedir um sal de fruta e a conta.

A maior diferença está no papo. Lula vai falar muito de si mesmo, mas também de futebol e das coisas boas que gostaríamos de recuperar. Vai falar de algo do seu interesse porque ele, astuto, quer sua atenção e vai prestar atenção em você. A conversa de Lula ganhou até o meu tio milico.

Bolsonaro vai falar de autoridade, de repressão, de destruição, de morte. Ele não quer a sua atenção, ele quer guerra. É só disso que ele sabe falar.

Bolsonaro precisa ser calado.

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