Um sonho de feijoada

Tenho passado 100% do tempo em casa e quase metade dele dormindo. É justo, pois, eu falar de meus sonhos aqui.

Sonhei, ontem de manhã, que estava em um restaurante. Era um lugar com cara de antigo, com chão de ladrilho e mobília de madeira escura.

Tinha também uma rede de tubos que percorriam as paredes e o teto e subiam as colunas. Canos grossos de metal, de cobre ou de latão. Com saídas que pareciam bocas de hidrante.

Na verdade, acho que não era um restaurante. Era um bar. Acordei com a sensação de que se tratava do saudoso Filial, na Vila Madalena –onde eu passei muitas noites de semana e tardes de sábado.

Óbvio que o ambiente não corresponde ao bar real. Era um sonho, diacho.

Tinha alguém comigo, mas não sei dizer quem. Acho que algum colega dos tempos da editora Abril. Nós conversávamos sobre o que pedir.

Minha companhia me avisou então que todos aqueles canos carregavam feijoada. Era só abrir um daqueles registros e fazer jorrar feijão preto. Não sei dizer se os pertences vinham todos da mesma válvula ou de torneiras separadas. Tampouco fiquei sabendo se havia fontes de couve, de arroz, de caipirinha.

Fiquei tentado a tentar a feijoada encanada, mas mesmo em sonho fiquei preocupado com a higiene da tubulação. Impossível lavar aquela traquitana.

Isso me lembra de um lugar que eu frequentava em São Paulo, desses que servem feijoada todo dia, no almoço e no jantar. Omito o nome para evitar acusações levianas.

Uma casa muito tradicional, obviamente não tinha feijoada encanada. Mas parecia ter uma cornucópia de feijoada, o que é quase o mesmo. Você pagava por cabeça e podia comer até morrer. Antes de a cumbuca chegar à metade, um garçom aparecia com uma nova, cheia até a boca e quente. Levava a feijoada velha para a cozinha.

O mistério está em que acontecia com o feijão depois de desaparecer das nossas vistas. Nunca busquei saber. Por medo da verdade. Eu e meus amigos especulávamos que as panelas ficavam ligadas 24/7, nunca esfriavam e, por isso, não havia risco sanitário. Autoengano mais grosso do que os tubos de feijoada do meu sonho.

Falando no sonho, ele acabou ou mudou de rumo antes de eu abrir as comportas de feijão preto. Tudo bem. Foi melhor do que o outro sonho que eu tive na mesma manhã –neste eu dormia na rua.

Quando criança eu sonhava –acordado, numa ambiciosa aspiração– ter encanamento de refrigerante em casa. Na juventude, tive um amigo cujo pai instalou uma torneira de pinga na parede junto à churrasqueira. Nada de tubulações tortuosas, apenas um barrilete instalado na laje acima.

Meu sonho, fora do sono, é bem mais comunzinho. Poder voltar a se juntar, aglomerar, almondegar. Sem peste, sem máscara, com abraços e beijos e risadas, para tomar umas e, se for sábado, comer uma feijoada.

Quero acordar deste pesadelo.

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