Salles, o vira-lata, quer distrair os EUA com televisão de cachorro

No começo da semana, chegou por WhatsApp o pedido de ajuda da amiga Marina Dias, correspondente da Folha em Washington: como explicar a um americano o conceito de TV de cachorro?

Insólito, porém zero surpreendente: Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, fizera um slide de frango assado para mostrar à equipe de John Kerry, designado de Joe Biden para assuntos climáticos.

No chiste de PowerPoint, Salles usou o desenho de um cão a babar diante da máquina de frango de padaria. Empalados nos espetos giratórios, os galetos têm cifrões carimbados na pele. O título do slide: “expectativa de pagamento”.

Os gringos boiaram completamente. Não que lhes seja estranho esse tipo de frango assado: lá, a ave feita no forno rotativo se chama “rotisserie chicken”. O que escapa ao repertório dos países ricos é a figura do vira-lata sarnento plantado na calçada, implorando por restos, quiçá um sobrecu de galinha.

Salles pede dinheiro dos EUA para fazer o óbvio de sua função, proteger a Amazônia; já o governo americano condiciona a liberação das verbas a metas e resultados no combate ao desmatamento. Foi nesse impasse que surgiu o frango assado.

A imagem foi interpretada como uma tentativa tacanha de ser simpático para persuadir os EUA a meter a mão no bolso. Discordo.

A postura submissa do cachorro pidão não é do feitio de Salles, menos ainda do chefe do ministro. Ambos são beligerantes empedernidos, preferem a autodestruição à transigência. Toda concessão é um recuo tático a se recuperar, com juros de sangue, no longo prazo.

No tocante à qüestão (com trema) da Amazônia, nem o mais cândido dos gringos engoliria tamanho cinismo. Ao mesmo tempo em que busca dinheiro e diz que vai zerar o desmatamento ilegal até 2030, a corja de Bolsonaro demite o superintendente da PF que incomodava os madeireiros.

A charge da TV de cachorro, nesse contexto, parece mais um arroubo de sarcasmo pueril, um protesto meio cifrado contra a pressão internacional sobre a gestão ambiental da Amazônia.

Os frangos que giram são um sonho impossível para o cão, ele sabe que estão fora de seu alcance. Salles, analogamente, sinaliza que está ciente do jogo sujo dos globalistas: a expectativa de pagamento faz sentar, deitar e dar a patinha, mas nunca se concretiza.

Salles e Bolsonaro acham que estão lidando com completos coiós. Coiós muito poderosos, que não podem ser confrontados diretamente. Por isso, tentam ganhar tempo enquanto a boiada passa.

Eles não têm intenção de frear o desastre amazônico e não contam com a ajuda dos EUA. Só querem se esquivar de sanções e colar na comunidade internacional a culpa pela monstruosidade que perpetram. “A Amazônia queima porque nos boicotam”, o discurso já está pronto e em uso.

Se os EUA são os donos da padaria que vende frango assado, só resta um papel para o governo brasileiro nessa história: o de cão vagabundo, sem dono, pulguento, indesejado.

Ricardo Salles conseguiu a proeza de encarnar em Washington o complexo de vira-lata, definição rodriguiana do que há de pior no caráter do brasileiro.

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