Com a palavra, o costelão do almoço do #FicaSalles

Comida fala. Às vezes sussurra, às vezes grita. Aquilo que você cozinha, serve e come (ou deixa de comer) transmite mensagens.

Nos restaurantes, uma leitura atenta do cardápio pode ser reveladora.

Um prato de macarrão ao sugo, numa marisqueira, significa “toleramos a presença de crianças chatas para comer”. Numa churrascaria, sushi quer dizer “você é otário ou o quê?”.

Restaurantes que não admitem alterações nos pratos são feudos de tiranetes com autoestima frágil. Já as cartas quilométricas, que vão da pizza à feijoada, expõem a confusão mental de quem toca a birosca. Melhor fugir.

Na política e na diplomacia, a comida fala pelos cotovelos.

Para afirmar que são do povo, candidatos devoram pastel, bolovo, sarapatel e pão com margarina. Era 1994 quando Fernando Henrique Cardoso, em campanha no sertão da Bahia, foi posto diante de uma buchada de bode.

A mesma boca que venceu as entranhas caprinas traiu o intelectual candidato. “Vocês estão assim porque nunca moraram em Paris, onde esse é um prato sofisticado”, disse em Canudos o futuro presidente.

O atual inquilino da Alvorada dificilmente aprecia as tripas à moda de Caen, mas se mostra mais hábil do que FHC para mandar recados pela comida.

Ao ostentar o desjejum de pão com leite condensado, Jair Bolsonaro assentou um pilar da construção de sua imagem pública: a de um fulano tão tosco quanto os toscos que o elegeram.

No Japão, em viagem estritamente protocolar, Bolsonaro não se limitou a falar mal do banquete de entronização do imperador. De volta ao hotel, preparou um miojo (trazido do Brasil!) e postou a foto nas redes sociais.

A afronta foi tão explícita que o governo japonês, provavelmente incrédulo e atarantado, deixou para lá. A claque do “mito” surtou em êxtase.

Chega a ser curioso que, diante de uma plateia de líderes estrangeiros, o presidente do Brasil se mostre um orador tão mixuruca. Seu discurso na Cúpula do Clima, pontuado de promessas vazias e reticentes, não convenceu ninguém.

Muito mais eloquente foi o costelão com arroz e vinagrete, oferecido na véspera em almoço patrocinado pelo ministro Fábio Faria (Comunicações).

Fosse qual fosse o cardápio, o rega-bofe alardeou uma mensagem inequívoca: o endosso à política de desmantelamento ambiental de Ricardo Salles. O entorno do presidente correu para socorrer o capataz, bombardeado nas redes sociais com a hashtag #ForaSalles.

A comida em si, o tal do costelão, também passou seu recado. É churrasco de costela de boi, comida de vaqueiro, de boiadeiro, dos pecuaristas que ocupam a ex-floresta depois das motosserras, dos amigos do peito do governo.

Poderiam ter servido macaco uacari recheado de boto cor-de-rosa, mas aí seria exagero, seria gritaria. O anfitrião, afinal, cuida das Comunicações. Com o costelão, ele falou firme e claro: “não vamos mudar”.

Joe Biden saiu da sala quando Bolsonaro pegou o microfone para mentir. O costelão do almoço do #FicaSalles disse a verdade que o presidente americano deveria escutar.

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