Minha mãe >>> Francis Mallmann

Minha mãe não faz a mais remota ideia de quem seja Francis Mallmann.

Para ser 100% honesto: na situação presente, minha mãe não sabe quem sou eu. Aos 89 anos, Ana é prisioneira da própria caixa craniana. Sofre de demência senil, mas o corpo é forte. A memória de ocorrências recentes zera a cada minuto; no disco rígido, eu já estou apagado ou, pelo menos, borrado ao ponto de ser irreconhecível.

Mas Ana nunca soube da existência de Francis e, em seus bons dias, foi uma cozinheira fabulosa.

Sem conhecer Francis Mallmann nem Paola Carosella nem Leo Botto nem ninguém da trupe da escola da cozinha do fogo, Ana entendeu por instinto a delícia da comida queimada.

Lá em casa, o feijão e o arroz tinham sempre alho e cebolas queimados. Queimados num ponto exato, uma fração de segundo antes de amargar a bagaça toda. É algo que eu não consigo replicar, pois obedeço ao instinto de baixar o fogo antes de carbonizar a comida.

Mas a maior contribuição da dona Anita, com um tê só, para a gastronomia mundial, é o molho de tomate queimado (receita mais ou menos parecida aqui).

Algo que já era feito pela mãe e pela avó em um restaurante que os Gioielli tinham na Penha: deixar o molho secar até pegar no fundo da panela, depois jogar água e repetir o processo várias vezes.

A fórmula do umami. Reação de Maillard. Mas Ana não sabia nada disso. Nunca precisou.

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