O biscoito satânico e o pão de alho que o Diabo amassou

Você nem imagina quanto mal pode se encerrar num mísero biscoito recheado. Até que você cai nas masmorras da internet e lê que o Oreo propaga a palavra de Satanás desde 1912, quando foi lançado nos EUA.

Um diagrama tosco aponta as evidências impressas na própria bolacha, que é toda adornada com figuras em relevo. “Cruz satânica”, mostra a seta sobre a cruz de Lorena (símbolo da fabricante Nabisco, com duas barras horizontais de tamanhos diferentes).

O esquema vê também referências maçônicas e astrológicas no biscoito. O observador conclui, então, que as figuras significam “a gente viverá no mundo satânico para toda a eternidade”.

Eu acharia engraçado, se essas teorias conspiratórias ficassem circunscritas a meia dúzia de lunáticos pobres-coitados casposos. Não é o caso, basta olhar para o hospício que o Brasil se tornou.

Voltando à indústria alimentícia, há lá ardis que vão além da conspiração delirante. Em especial, quando se trata dos ultraprocessados –comida fabricada com ingredientes alheios à culinária, cheia de aditivos emulsificantes, edulcorantes, estabilizantes e outros “antes”.

O alimento industrializado não é feito por cozinheiros com receitas, mas por engenheiros com fórmulas. Uma fórmula de sucesso combina baixo custo de produção, vida longa na prateleira e sabor viciante.

A validade esticada se obtém com substâncias conservantes e técnicas de embalagem. Quanto ao sabor e ao preço pífio, não há conflito algum entre os dois predicados: a indústria pega pesado no sódio, na gordura, no açúcar, na farinha branca.

Completam o feitiço os aditivos químicos, empregados tanto para disfarçar defeitos quanto para emprestar graça ao insosso. As fórmulas industriais são diabolicamente eficazes, o cálculo preciso daquilo que cativa o paladar mediano.

As crianças são as presas mais fáceis do docinho, do salgadinho, do cremoso, do crocante, dos aromas de tutti-frutti e de baunilha. Uma vez abduzidas por bolachas recheadas ou pelas balas tecnicolor, difícil trazê-las de volta.

A receita da derrota é tentar competir com alimentos ultraprocessados, buscando “melhorar” sua fórmula na cozinha, com ingredientes sensatos.

Meu filho adora pão de alho –aquela bisnaga com um creme de margarina, alho e outros 500 componentes, que você compra em pacotes e faz na churrasqueira.

Pois bem: um dia decidi que venceria o pão de alho industrial com –atenção– pão e alho. Quem precisa de receita para algo tão óbvio?

Refoguei o alho na manteiga, besuntei uns pãezinhos e pus também um pouco de queijo bom. Aqueci o pão de alho artesanal caseiro na grelha e o entreguei para a apreciação do moleque. Eu esperava receber elogios e gratidão eterna.

Juro, meu filho começou a chorar de sofrimento. O que eu havia feito? Pânico. Desespero. Provei o pão. Lá havia alho suficiente para matar todos os descendentes do conde Drácula. Picante. Pungente. Insuportável.

Desde então, estou rendido ao pão de alho que o Diabo amassou e pôs para vender no supermercado. Ou será que o Diabo sou eu?

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