Hambúrguer é a carne possível no Brasil arruinado

Ontem foi o Dia do Hambúrguer. Coisa de americano.

Aqui, a data foi incorporada pelas empresas ávidas por um factoide que venda mais hambúrguer, bacon, ketchup e o escambau a quatro. De uns anos para cá, qualquer dia é dia de algum produto. Tem dia do malbec, do café, da pizza, da cerveja assim ou assada, do chocolate e, se vacilar, até dia da barca de açaí com granola.

Quanto ao hambúrguer, está evidente que sua popularidade aumentou muito no Brasil.

Uma pesquisa, divulgada pela agência FleishmanHillard, indica que a busca pela palavra “hambúrguer” no Google cresceu 900% nos últimos 15 anos. Ninguém precisa de pesquisa para perceber a multiplicação das hamburguerias nesse intervalo de tempo.

O hambúrguer ganhou todo esse espaço porque nós ficamos mais pobres –nesse contexto de pindaíba e ruína, o hambúrguer é a carne possível.

Nada contra: adoro hambúrguer. Aliás, ontem almocei e jantei hambúrguer, graças à minha network de assessores de imprensa.

Ocorre que hambúrguer é relativamente barato. É a opção menos sofrida para o brasileiro que ainda pode comprar carne –cujo consumo caiu ao menor nível dos últimos 25 anos.

O hambúrguer custa menos porque é feito com aparas, com o descarte do acabamento das peças que são vendidas inteiras no açougue.

Faz parte do ofício do açougueiro “limpar” a carne para vendê-la em pedaços uniformes. No processo de lapidação do bife, muito músculo e muita gordura são removidos do corte principal. Essas aparas viram picadinho ou carne moída. E hambúrguer é nada mais do que carne moída.

Não importa se o sujeito rotula o hambúrguer de gourmet, se diz que é picanha, se faz marketing do “blend secreto da casa”. É tudo apara.

Só as pessoas físicas mandam moer patinho para rechear pastel. O açougueiro e o cara do frigorífico recolhem sobras e montam o hambúrguer com a proporção certa de carne e gordura.

O uso das aparas é bom para tudo, menos para o marketing do “blend”. Moída, qualquer carne é macia. O uso das rebarbas evita o desperdício e diminui o preço do hambúrguer.

O dono da hamburgueria pode enfiar uma margem maior de lucro no cardápio, sem que a cifra assuste o cliente; o cliente come carne saborosa, sem gastar os tubos numa picanha ou num bife ancho.

Em março de 2018, eu escrevi um post de blog intitulado “Fim da crise vai matar a modinha do hambúrguer gourmet” –dizia que, quando o poder de compra se recuperasse, a população iria buscar outras comidas. Ainda não dá para saber se o vaticínio foi certeiro, pois a crise só se agravou.

Enquanto rolamos pirambeira abaixo, cada vez mais trocamos o filé pelo hambúrguer. Que está cada vez mais fininho, diga-se. Para manter o preço, têm-se apostado em mais pão e menos carne. Já teve o smash, depois veio o ultra smash, logo chegará o hambúrguer achatado no rolo compressor.

E assim o Brasil caminha para ser vegetariano –só que pelo pior motivo possível, a pobreza.

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