O idiota sem máscara

Eles estão por toda parte.

Basta sair de carro e vê-los através da janela fechada, amontoados nas calçadas dos bares da Vila Madalena, do Leblon, de Campos do Jordão. É o Simba Safári da Covid-19.

Eles se abraçam, se beijam, compartilham copos e cigarros e porções de frango à passarinho. Como zebras ou bisões selvagens, os idiotas sem máscara vão para onde o bando for. Como cães vadios ou lobos, seguem o líder.

O sarnento-mor dessa alcateia se chama Jair Messias Bolsonaro. Na condição de autoridade máxima do país e profeta da seita, ele açula e alimenta a imbecilidade.

Ao sugerir que vai derrubar a obrigatoriedade da máscara na canetada, o boiadeiro do Planalto deu a senha para o rebanho. Não importa que suas palavras tenham valor legal nulo: o gado ouve o berrante e vai para o curral. Ou para o boteco.

Tomar o messias por burro é fazer pouco uso de própria inteligência. Ignorante e tosco, ele foi perspicaz o bastante para incorporar o Brasil ignorante, tosco e ressentido com o “sistema” ilustrado.

Não adianta tentar “eliminar” Bolsonaro, como sugere vetusta revista britânica (a tradução é ruim, mas não está errada). Bolsonaro é indelével porque Bolsonaro é o Brasil.

A figura física do presidente é a materialização do idiota médio brasileiro, com máscara no queixo ou no porta-luvas do carro. Bolsonaro pode cair, fugir ou até perecer, mas o elefante pestilento continuará na sala.

Com um avatar de si mesmo no topo do poder, o idiota sem máscara se sente autorizado a disparar perdigotos no hortifruti, no supermercado, na sorveteria.

Bares e restaurantes são seu hábitat ideal, pois a natureza do negócio implica a remoção da máscara para comer ou beber. Você reconhece o espécime quando ele deixa um cafezinho ou um suco intocado sobre a mesa, somente para poder exercer a idiotice desmascarada.

O idiota empoderado se torna ousado e beligerante. Borrifa seus aerossóis pelo shopping. Reage com agressões quando o outro, por autopreservação, lhe pede para respeitar a lei, a saúde pública e a civilidade.

O berrante funciona porque acena com solução simples e indolor para um problema altamente complexo, que exige sacrifício e dor para ser enfrentado. Brasileiro adora a saída mágica. Brasileiro sempre leva um 7 a 1 lá atrás.

A idiotice seduz e contagia como o coronavírus. Ela contamina quem não é o idiota hardcore, mas morde a isca do caminho fácil, errado e, neste caso, letal. Nunca menospreze a ignorância e a insensatez.

Elas aparecem, em todo o seu esplendor, no episódio registrado em vídeo numa enfermaria para Covid-19 em Mossoró, Rio Grande do Norte.

Profissionais de saúde cantam uma versão crente de “Parabéns a Você” para o seu Antônio, internado e visivelmente debilitado. Na hora do rá-tim-bum, uma mulher remove a máscara do respirador para o aniversariante soprar as velinhas do bolo.

Outra voz diz que vai distribuir fatias para os “convidados”. “Covidados” seria termo mais adequado.

É um trailer do bolo dos 200 anos de independência do Brasil, que já está no forno em Brasília. Ele virá recheado de morte e coberto de ignorância teocrática. Bolsonaro é só a cereja dos idiotas.

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