O mamão e a vacina

Semana passada, no Twitter, um ex-colega de trabalho queixou-se de estar sem comer mamão há mais de 20 meses. O motivo: mudou-se para a Finlândia.

Outro antigo vizinho de baia respondeu que em Seattle, onde mora atualmente, consegue uns mamões havaianos – sem gosto de nada, segundo ele.

Contra-argumentei com o seguinte: aqui temos mamões cheirosos e saborosos, mas também temos o Bolsonaro.

Seattle, no noroeste dos EUA, vacinou 78% de sua população. É a cidade com mais imunizados no país. Pode retomar vida de antes da peste, com bares e restaurantes e festas e pegação geral. Mas seus mamões são insípidos. Oh, céus! Oh, vida! Oh, azar!

Enquanto nós –ricos em mamões perfumados, maracujás resplandecentes e gloriosas goiabas– vivemos na selva.

Nada a ver com o discurso racista do presidente argentino Alberto Fernández. Ele pisou feio no tomate, ao desqualificar os brasileiros de origem ameríndia ou africana. Foi tosco e ignorante.

A selva a que me refiro não é a Amazônia nem a mata do Congo. Não é um espaço físico. É um estágio incivilizado das relações humanas, o vale-tudo, o pega-pra-capar. Farinha pouca, meu pirão primeiro.

O desprezo pela coletividade, sempre notório no Brasil, virou ostentação com o despertar do fascismo. Os ricos se ajudam, os pobres se dão mal por preguiça e, se vier reclamar, toma chumbo grosso. Selvageria bruta.

Dá para querer viver num lugar assim?

Para estar em Seattle ou Helsinque neste momento, eu abriria mão de todos os papaias, das pitaias, das jabuticabas, da feijoada, da moqueca, do virado à paulista.

Engraçado como brasileiro, quando vai morar fora, sente falta das tranqueiras que comia aqui: bombom barato, paçoca de amendoim, pão de queijo de caixinha, leite condensado. As mercearias zucas na Europa e nos EUA vendem esses itens para uma comunidade saudosa de açúcar e amido da terra natal.

Dá para viver sem isso? Certamente dá.

Dá para emigrar na situação presente? No meu caso, nem a pau.

Então fiquemos com os mamões.

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