No Brasil, negro só pode andar de bicicleta com uma pizza nas costas
Matheus Ribeiro, o ciclista negro que foi assediado e acusado de roubo por um casal de jovens brancos no Leblon, provavelmente teria sido deixado em paz se usasse um acessório: a mochila térmica dos entregadores de comida por aplicativo.
Nos bairros ricos do Brasil, a regra é clara. Branco anda de bike para fazer esporte ou usar meio de transporte ambientalmente correto; preto anda de bike para trabalhar para os brancos. Para carregar seu almoço, seus documentos, seus galões de água mineral.
As ruas de Ipanema, de Copacabana, de Botafogo estão cheias de entregadores negros em suas bicicletas com caixote da Rappi, do iFood, da Uber Eats. Ninguém os aborda. É o precioso jantar do bacharel, todos sabem.
Se o negro ousa ter uma bicicleta esportiva e sair por aí sem uma pizza nas costas, será interceptado pela polícia ou pelas milícias de “cidadãos de bem”. Vide o caso do youtuber de Goiás, detido pela PM porque questionou a abordagem sob a mira de revólveres.
Coisa semelhante vale para outros meios de transporte.
Motocicleta de preto precisa ter baú no lugar da garupa. Se ele levar uma carona, aliás, será acusado de formação de quadrilha. Mas nada acontece quando o presidente e o abjeto dono da Havan se exibem por aí sem capacete – infração gravíssima, segundo o Código de Trânsito Brasileiro.
Já os automóveis das pessoas negras devem ser muito velhos e/ou utilitários: pode ser carro de vidraceiro, carro de marceneiro, carro do técnico da TV a cabo.
Um amigo meu, branco, dono de uma SUV cintilante, recuperou o carro que havia sido levado num assalto. Só que a PM se esqueceu de dar baixa no alerta de roubo, e o meu amigo foi parado por uma patrulha.
A abordagem foi cuidadosa, amistosa, suave. O policial que pediu seus documentos chegou a dizer que agiu assim porque o motorista tinha “cara de dono”.
Agora imagina se meu amigo fosse preto?
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