Negociata, dinheiro vivo e risoto nos restaurantes de Brasília
Foi num jantar que o cabo Dominguetti se encontrou com representantes do governo para tentar vender o fabuloso lote de 400 milhões de vacinas –e lá mesmo no restaurante, diz ele, ouviu um pedido de suborno.
Assim é Brasília. À noite, a política migra para os salões de certos endereços que também servem comida.
A pretensa negociação de vacinas ocorreu no Vasto, churrascaria do grupo Coco Bambu –de propriedade do cearense Afrânio Barreira, notório apoiador de Bolsonaro. Em vários pontos da capital, há restaurantes eleitos para o encontro informal de políticos e outros agentes da administração pública.
Nada contra Brasília. Inclusive tenho amigos, família e agregados lá. Só não dá para fingir que é uma cidade feito as outras.
No que diz respeito aos exemplares humanos, Brasília é o Leblon da TV Senado. Se o bairro carioca é um desfile de celebridades globais, a capital exibe personagens do noticiário político em situação de bermuda e chinelo.
Você vai comprar cerveja e topa com o juiz bebendo umas e outras. Encontra o deputado e seu totó na pet shop.
No mercado, vê na fila dos frios aquele senador de cabelo tingido de acaju… quem, mesmo? Como nos elencos secundários da TV, alguns atores da política federal são rostos difíceis de se reconhecer.
Os restaurantes são os melhores lugares para praticar o safári de animais políticos.
Brasília tem muitos bons restaurantes de diversas especialidades. Tem até excelentes botecos, um prodígio para uma cidade desprovida de esquinas.
Mas existe uma categoria de restaurantes que, se não é exclusiva de lá, representa como poucas a cena gastronômica do Distrito Federal. É aquela casa sem identidade étnica definida, de pegada meio antigona, meio comida de hotel, cozinha internacional.
Os cardápios entregam estrogonofe, picadinho –o do Fred, na Asa Sul, é absurdo de bom–, coisas gratinadas, risoto de cogumelos na guarnição, salmão com molho agridoce, um molho madeira aqui, um toque de queijo brie ali.
Esses lugares têm sempre uma carne com massa de acompanhamento, para facilitar a escolha. Para reduzir o tempo de hesitação do cliente diante da lista de pratos. Porque a comida o menos importante para alguns desses clientes.
Nos restaurantes frequentados por políticos, o importante é a discrição. O serviço ágil e pouco intrusivo, a distância entre as mesas, a posição ideal para avistar desafetos e jornalistas.
Anos atrás, almocei num hotel à margem do lago Paranoá. Fazia muito calor, mas o político graúdo, líder partidário, escolheu uma mesa no jardim. Bem longe do salão climatizado.
Em outra mesa externa, meia dúzia de engravatados. Como numa entrevista de emprego, cada um caminhava até o capo, conversava por 15 minutos e retornava à mesa coletiva. Coisa de Brasília.
Outra coisa de Brasília: vi muita gente sacar bolos de notas para pagar a conta do restaurante com dinheiro vivo. Chama a atenção, pois é algo que não se vê mais em São Paulo ou no Rio. Por que será?
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